sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

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àqueles que acompanha meu blog: não se espantem, este texto veio de lá, e como lá digo-lhes que é um texto sem motivo e sem final, sobre o qual pensarei num dia qualquer.

ps: agradeço em especial à Chico's Bar Editoras Confederandas pelo espaço.


Quando percorre o tempo à procura de sua alma, ou coisa parecida em essência, geralmente encontra tempo, mas a alma não encontra. Isso porque cala no tempo a alma que tanto procura.

Na idade de Zeus, fora intercalando seu ar com o mundo, seu mundo e o ar. Sócrates disse-lhe sempre para calar esse mundo, sempre deixar fluir a alma. Mas ele não deixava passar o mundo; os sons que o aguçavam, que tocavam por algum lugar que desconhecia.

Sentava-se na Ágora, era tardezinha. No discurso de um encontrava fé, no de outro palavras apenas. Assitia às mulheres em suas casas, e seus filhos, e suas lutas de espadas espartanas. E os escravos carregando daqui, e dali, e suas lutas com espadas atenienses, parisienses talvez. E os homens discutindo suas fés, ornando um homem ideal. Os homens cantavam-nas, e lutavam com suas espadas, e eram menos espartanas ou atenienses. Em meio ao tempo aquela gente parecia tanto a gente dos outros tempos.

Platão o chamara de lado. Não era seu costume, mas ele não compreendia aquele homem que se sentava tardezinha na Ágora. Ele era tão diferente deles, tão pouca fé demonstrava, mas se sentava na Ágora e ouvia, e o poente do Sol o penetrava. Parecia-lhe tão próximo de sua juventude.

Ouvira a falta da alma, em palavras calmas, pouco logos. Tentou então explicar seu mundo, e apesar de não ser o mundo de ambos, eram próximos.

Descobriu Platão sobre Cristo, sobre a Lua, e o Sol. Encantou-se com a grandeza da humanidade que ele ajudara a moldar, e por vezes se perguntou se aquilo poderia ser verdade. Mas o que era a verdade? Intangível, por certo. Como então duvidar daquele moço que lhe falava em revoluções além mar, rosas de Hiroshima e meninos de pele vermelha? Como negar-lhe a existência da relatividade, paraconsistência, inconsistência da vida cotidiana do século XXI?

Sim, chegou-se ao XXI, e antes dele o dezoito, dezesseis, o quinze... e todos eles recheados de histórias inspiradas por deusas diversas, ou homens diversos, e belos. E por muitos dias conversaram sobre estes homens e seus feitos, até dar-se por satisfeito o homem de ombros largos. Estava, de fato, extasiado. O logos viera de alguém tão desapegado ao discurso, e embora as imagens não se concretizassem em sua mente de forma clara ela sabia que aquele rapaz não mentira. Se postou ante seu mundo e o mundo que viria a ser e, eureka, insurgiu-lhe uma vontade de viajar entre os camponeses franceses e os cientistas ingleses, seja lá o que franceses e ingleses quisessem dizer. O que quer que fosse América, seus arranhas-céu de concreto ou a imensidão de várias Hélades, tudo lhe remetia a uma ordem que ansiava. Parecia mesmo uma criança – a dor dos nossos não lhe era possível.

Mas e daí, pensou o moço, a dor destas pessoas tampouco nos é possível, com nossos livros e livros, discursos e poemas, e canções. Fizera bem ao deixar Platão entrever o futuro? Ele lembrou-se de que este tipo de questão deixara de lhe importar a algum tempo. E a conversa fora uma boa conversa. Ele realmente esboçara um sorriso ao ouvir idzak newton, e perguntou-se se seu velho professor de grego ficaria satisfeito por aquela tentativa de transmutação de um belo dzeta num vulgar z – tinha a certeza de que a satisfação passaria longe do mestre, mas alegrou-se em imaginar a situação. Além do mais, nem sempre houve a possibilidade de constatar-se o quão era a vida alternativa de Sócrates segundo seu mais proeminente discípulo. E como eram belas as gregas confidenciadas por Platão, e os gregos.

A realidade era que ele se ambientava mais e mais ao Sol ameno, e o cheiro de mar que lhe tocava a face, e divagava para omitir de si este detalhe, sem sucesso. Por mais que ainda parecesse um estranho, fora ofertado a ele um manto, e sua presença na Ágora já não espantava. E aquelas pessoas cada vez mais lhe eram familiares. Convidou-se várias vezes para ficar, mas sabia no fundo que não podia...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Kaka: FIFA World Player






Fenomenal

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

ESTAMOS COM FOME DE AMOR - Arnaldo Jabor

"Uma vez Renato Russo disse com uma sabedoria ímpar: "Digam o que disserem,o mal do século é a solidão".Pretensiosamente digo que assino embaixo sem dúvida alguma. Parem pra notar, os sinais estão batendo em nossa cara todos os dias. Baladas recheadas de garotas lindas, com roupas cada vez mais micros e transparentes, danças e poses em closes ginecológicos, chegam sozinhas e saem sozinhas. Empresários, advogados, engenheiros que estudaram, trabalharam,alcançaram sucesso profissional e, sozinhos.
Tem mulher contratando homem para dançar com elas em bailes, os novíssimos "personal dance", incrível. E não é só sexo não, se fosse, era resolvido fácil, alguém duvida? Estamos é com carência de passear de mãos dadas, dar e receber carinho sem necessariamente ter que depois mostr
ar performances dignas de um atleta olímpico, fazer um jantar pra quem você gosta e depois saber que vão "apenas" dormir abraçados, sabe essas coisas simples que perdemos nessa marcha de uma evolução cega. Pode fazer tudo, desde que não interrompa a carreira, produção. Tornamos-nos máquinas e agora estamos desesperados por não saber como voltar a "sentir", só isso, algo tão simples que a cada dia fica tão distante de nós. Quem duvida do que estou dizendo, dá uma olhada no site de relacionamentos ORKUT, o número que comunidades como: "Quero um amor pra vida toda!", "Eu sou pra casar!" até a desesperançada "Nasci pra ser sozinho"! Unindo milhares, ou melhor, milhões de solitários em meio a uma multidão de rostos
cada vez mais estranhos, plásticos, quase etéreos e inacessíveis. Vivemos
cada vez mais tempo, retardamos o envelhecimento e estamos a cada dia mais
belos e mais sozinhos. Sei que estou parecendo o solteirão infeliz, mas pelo contrário, pra chegar a escrever essas bobagens (mais que verdadeiras) é preciso encarar os fantasmas de frente e aceitar essa verdade de cara limpa.
Todo mundo quer ter alguém ao seu lado, mas hoje em dia é feio,
démodé, brega.
Alô gente! Felicidade, amor, todas e
ssas emoções nos fazem parecer
ridículos, abobalhados, e daí? Seja ridículo, não seja frustrado, "pague
mico", saia gritando e falando bobagens, você vai descobrir mais cedo ou
mais tarde que o tempo pra ser feliz é curto e cada instante que vai embora
não volta mais (estou muito brega!), aquela pessoa que passou hoje por
você na rua, talvez nunca mais volte a
vê-la, quem sabe ali
estivesse a oportunidade de um sorriso à dois.
Quem disse que ser
adulto é ser ranzinza.
Um ditado tibetano diz que se um problema é grande demais, não
pense nele e se ele é pequeno demais, pra que pensar nele. Dá pra ser um
homem de negócios e tomar iogurte com o dedo ou uma advogada de sucesso que adora rir de si mesma por ser estabanada; o que realmente não dá é pra
continuarmos achando que viver é out, que o vento não pode desmanchar o
nosso cabelo ou que eu não posso me aventurar a dizer pra alguém: "vamos
ter bons e maus momentos e uma hora ou outra, um dos dois ou quem sabe os
dois, vão querer pular fora, mas se eunão pedir que fique comigo tenho certeza de que vou me arrepender pelo resto da vida
. Antes idiota que infeliz!"

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Animais morais


Um dos livros mais instigantes que li este ano é "Moral Minds" (mentes morais), de Marc Hauser, no qual este biólogo evolucionário de Harvard apresenta um modelo bastante convincente de como desenvolvemos um senso universal do certo e do errado.
Trata-se de um tema seminal, que despertou a atenção de alguns dos maiores filósofos de todos os tempos, e está no centro dos mais acalorados debates da atualidade, constituindo o substrato de questões como religião, violência, aborto, eutanásia, liberação das drogas etc.
A tese central da obra de Hauser é a de que a faculdade moral é um instinto. A analogia é com a teoria da gramática universal de Noam Chomsky, que já comentei numa coluna mais antiga. Da mesma forma que nossos cérebros são equipados com um "software" lingüístico, que nos habilita a aprender praticamente "por osmose" o(s) idioma(s) ao(s) qual(is) somos expostos na primeira infância, nossa cachola também já vem com uma moral de fábrica. Não se trata, por certo, de um código penal, uma lista pronta e acabada de todas as ofensas possíveis e as respectivas punições, mas de um conjunto de princípios elementares, comuns a toda a humanidade, e maleáveis o bastante para comportar uma boa gama de variações culturais.
Com efeito, por maior que seja a exuberância dos comportamentos humanos narrados pelos antropólogos, não se conhece cultura que considere positivo matar o próximo, por exemplo. Assim, como regra geral, toda sociedade proíbe o homicídio. Mas uma característica das regras gerais é que elas comportam exceções. E é justamente a lista de exceções à regra geral da proibição do homicídio que dará o caráter de cada sociedade.
A maioria das culturas excusa o homicídio no contexto da legítima defesa (da própria vida ou da de terceiros). Algumas, estendem essa licença à proteção da propriedade. No velho Oeste americano, era legal e legítimo enforcar ladrões de cavalos. Um número não desprezível autoriza assassinatos em defesa da honra. Em alguns grupos, notadamente islâmicos (embora o preceito não esteja no Alcorão nem nos "hadith") espera-se que pais assassinem filhas que se mostrem infiéis a seus maridos. Variações semelhantes ocorrem em relação ao tratamento que diferentes culturas dão ao aborto, ao infanticídio, às presas de guerra etc.
Para ficarmos na analogia lingüística, da mesma maneira que idiomas apresentam características universais --como operar com sujeitos, verbos e predicados--, diferentes sistemas morais também possuem traços básicos comuns, a exemplo da proibição do homicídio, do horror ao incesto, da promoção da família etc. Mas, assim como cada língua, apesar das estruturas profundas comuns, permanece singular, também uma cultura, mesmo mantendo certos padrões universais, difere da outra.
É claro que tanto a razão como as emoções estão presentes em todas as decisões morais que tomamos. Não matamos aquele motoboy imbecil que arrancou o espelhinho de nosso carro tanto porque a maioria de nós tem uma repulsa natural ao assassinato --a emoção produzindo a moral, como defendia David Hume-- e também porque tememos as conseqüências legais de tal gesto --a razão, segundo a concepção de Immanuel Kant. O ponto que Hauser procura enfatizar, entretanto, é que a moral é um instinto, operando independentemente de razão e emoção. Aqui, ele se aproxima das idéias de John Rawls.
Esse é um campo que vem recebendo grande atenção de psicólogos evolucionistas e tem como matéria-prima os dilemas morais. É nesse ponto que os experimentos de Hauser trazem novos e fascinantes "insights". O autor propõe uma série de situações difíceis e nos convida a dar soluções. Também apresenta os resultados de suas entrevistas. São mais de 60 mil pessoas, gente de diversas etnias e com diferentes "backgrounds" que responderam ao questionário "on line" (não chega a ser uma amostra representativa do globo, mas não é um "n" desprezível). Você, leitor, também pode participar, clicando no site do teste.
Vamos ver alguns exemplos: Denise é passageira de um trem cujo maquinista desmaiou. A locomotiva desembestada vai atropelar cinco pessoas que caminham sobre a linha. Ela tem a opção de acionar um dispositivo que faz com que o comboio mude de trilhos, e, neste caso, atinja um único passante. Denise deve acionar a alavanca? Cerca de 90% dos entrevistados cederam à razão utilitária e responderam que sim. É melhor perder uma vida do que cinco.
Hauser então coloca uma variante do problema. Frank está sobre uma ponte e avista um trem desenfreado prestes a abalroar cinco alegres caminhantes. Ao lado dele está um sujeito imenso, que, se lançado sobre os trilhos, teria corpo para parar a locomotiva, salvando os cinco passantes. Frank deve atirar o gordão ponte abaixo? Aqui, a maioria (90%) responde que não, embora, em termos puramente racionais, a situação seja a mesma: sacrificar uma vida inocente em troca de cinco.
A constatação de que as respostas estão além da razão (pelo menos em sua expressão utilitarista) e da emoção é um argumento poderoso em favor do instinto, que é ainda reforçado pelo fato de representantes de grupos bastante diversos terem dado respostas muito semelhantes nestes casos.
Hauser sustenta que nosso "software" moral opera em torno de parâmetros como tipo de ação (se pessoal ou impessoal, direta ou indireta), conseqüências negativas e positivas e, principalmente, a intencionalidade. No fundo o que difere a ação de Denise da de Frank é que o sacrifício do passante solitário é uma espécie de efeito colateral (ainda que antevisto) de uma ação que visava a salvar cinco pessoas. Já atirar o gordão seria um ato intencional, um homicídio ainda que com o objetivo de obter um bem maior. Estamos aqui, se quisermos, diante da materialização empírica do imperativo categórico kantiano, que nos proíbe de usar seres humanos como meio para obter um fim (mesmo que nobre). Se assim não fosse, um médico estaria livre para capturar um sujeito saudável que passasse diante do pronto-socorro e, arrancando-lhe rins, fígado e coração para transplante, salvar a vida de quatro doentes.
Os experimentos mentais podem multiplicar-se e ficar bem mais sofisticados. E se, em vez da vida de cinco pessoas, o que estivesse em jogo fosse uma cidade inteira de 5 milhões de habitantes? Com números assim superlativos não seria lícito matar o gordão mesmo que intencionalmente?
Para além da riqueza de dados e novas perspectivas, "Moral Minds" oferece farta munição para destruirmos algumas "idées reçues" (idéias recebidas) renitentes. Uma falsa crença com a qual sempre me vejo às voltas quando incorro em textos ateus é a de que a religião é a fonte do comportamento moral das pessoas. Besteira. Como Hauser mostra de forma muito competente, a moralidade é tributária de um instinto que se consolidou no homem muitos milênios antes do primeiro padre celebrar a primeira missa. O que a religião fez, além da tentativa de usurpar para si a ética, foi despi-la de seus parâmetros variáveis e congelá-la no tempo, proclamando-a una e eterna. A menos que imaginemos um Deus racista, que faça questão de condenar todos os fores, de Papua-Nova Guiné, (canibais) e todos os faraós ptolomaicos (incestuosos), entre muitos outros povos e grupos que violam comandos bíblicos, temos de concluir que a moral é assunto complicado demais para ficar apenas nas mãos de religiosos.

Hélio Schwartsman, 42, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.
Puts, sabia q a Chico's Bar estava se expandindo para meios ultra conservadores... essa editora me orgulha!