terça-feira, 24 de junho de 2008

O sexo oral

Sou fã de "O Sexo e a Cidade". Descobri que era fã numa certa noite de insônia, corria 2004. Liguei a TV, assisti a dez minutos da série e adormeci como um anjo. Fiquei viciado no produto, que viaja comigo para qualquer parte. E quando a insônia regressa, pronta para destruir uma noite de repouso, eu dispenso as pastilhas habituais. Dez minutos com as Spice Girls de Nova York a ruiva, a loira, a morena, a intermédia; nunca tive tempo para decorar os nomes delas e tenho oito horas de sono garantido.

Como explicar o fenômeno? Bom, não sou especialista em neurologia. Mas desconfio que há uma parte do meu cérebro que simplesmente desliga quando existem mulheres a conversar "conversas de mulheres". O meu drama não se limita a séries de tv. Por diversas vezes tombei da cadeira em mesas de restaurante, para pânico das meninas que conversavam em volta. É embaraçoso. E é mais forte do que eu.

Não sou misógino, não sou machista. Com os homens é exatamente a mesma coisa: quatro amigos debatendo "assuntos de homens" futebol, carros, economia, eventualmente mulheres e eu ronco alto. O problema, creio, está nas "conversas de gênero": previsíveis, entediantes, circulares. Serei caso único? Não creio. E há vários anos que defendo "audiobooks" só com homens, ou só com mulheres, conversando os temas habituais entre si. Seriam vendidos em farmácias sem necessidade de receita médica. Não há coisa mais narcótica.

Assim se entende o meu recente ordálio numa sala de cinema. Por motivos de promessa religiosa, assisti a "O sexo e a cidade", versão filme, e posso garantir que teria sido preferível ir a Fátima. O filme pretende fechar a série, retomando o destino das Spice Girls alguns anos depois. A morena está casada e feliz. A ruiva está casada e infeliz. A loira não está casada mas está feliz. E a intermédia, personagem central que narra o destino das outras, quer casar para ser feliz.

É provável que algo tenha acontecido entretanto, porque quando acordei o placar eletrônico estava ligeiramente alterado: a ruiva não estava mais casada e continuava infeliz; a loira continuava solteira mas agora infeliz; e a intermédia não casara porque o namorado não quis. A morena engravidou (ou engordou? juro que não sei). E até apareceu uma negrinha em cena para preencher a cota das minorias. Moral da história? Temos negra, ruiva, loira, intermédia. E até uma criança oriental, que a morena adotou. Volta, Benetton, estás perdoado. E, por falar em Benetton, pelo meio há muitas imagens com malas, sapatos, vestidos no fundo, as páginas da "Vogue" em movimento. Nada contra a "Vogue", claro, uma das melhores revistas do mundo (sobretudo a italiana). Mas a "Vogue", ao contrário do filme, não dura dez horas.

E no final de tudo, o que resta para contar? Depois de breve pesquisa, descubro teorias interessantes sobre o fenômeno "Sexo e a Cidade". Todas elas sublinham o mesmo ponto: "O sexo e a cidade" representou, na tv, um grito de libertação feminina, permitindo que as mulheres pudessem falar e comportar-se como os homens. A tese é interessante e, para além de interessante, claramente contraditória.

Primeiro, ela defende que a melhor forma das mulheres se "libertarem" passa por serem tão vulgares como os mais vulgares dos homens: nas conversas e nos comportamentos. Uma mulher "liberada" é, digamos, um homem com sapatos Manolo Blahnik.

Mas a ironia maior é que não há "libertação" alguma em "O Sexo e a Cidade": assistindo intermitentemente ao filme (e relembrando as intermitências da série), só a Spice loira parece escapar aos sofrimentos típicos das fêmeas. Ela, pelo menos, é coerente, devorando macho atrás de macho sem sentimento de culpa. As restantes não se distinguem da minha bisavó, sofrendo com as inevitáveis tropelias dos homens. Elas são mulheres livres, com certeza e, no entanto, querem amarrar-se ao primeiro homem que encontram e idealizam. "O sexo e a cidade" não oferece a alegria libertadora das mulheres; oferece as lágrimas delas pelo Príncipe Encantado que, afinal, era um sapo. Não há coisa mais reacionária.

E não há coisa mais narcisista também. Porque se existe alguma originalidade em "O Sexo e a Cidade", ela não está no sexo. Está, curiosamente, no amor. Na definição de um novo e patético tipo de amor para o século 21. Não é por acaso que a narradora da história confessa recorrentemente que partiu para Nova York em busca de grifes e de amor. A intenção revela o mesmo propósito e a mesma confusão: encarar objetos, ou pessoas, como uma forma de preencher o vazio.

Admito que vestidos Vivienne Westwood possam cumprir essa função. Mas as pessoas não são objetos; e o amor é o oposto desse programa; ele não existe para nos satisfazer a nós; ele existe para lembrar que alguém é mais importante do que nós. Curiosamente, e nos últimos anos, só houve uma série televisiva com coragem para enfrentar essa verdade. Chama-se "The Mind of the Married Man". Não teve sucesso entre as massas.
João Pereira Coutinho, 31, é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Ed. Quasi), publicado em Portugal, onde vive. Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

E-mail: jpcoutinho.br@jpcoutinho.com

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Vendendo a Amazônia

Entre meus muitos defeitos não está o nacionalismo. Assim, não pestanejaria muito antes de vender a Amazônia aos gringos. Acho até que, dependendo de como a operação fosse montada, todos poderiam sair ganhando: a floresta e seus recursos seriam mais bem preservados, a população local experimentaria um novo ciclo de desenvolvimento (quem sabe até ganhasse passaporte americano ou da União Européia) e o resto do Brasil, evidentemente, receberia uma bolada pela cessão da "soberania". Desnecessário dizer que o próprio planeta seria enormemente favorecido com o fim das queimadas e a manutenção da cobertura vegetal amazônica, que exerce importante papel na regulação do regime de chuvas e do clima em geral.

É claro, porém, que isso não vai acontecer. Nossos valorosos militares, secundados por grande parte da população (inclusive gente inteligente), padece de dores físicas só de considerar a hipótese de que a Amazônia possa não ser mais "nossa".

É este "nosso" que eu gostaria de discutir um pouco hoje. Eu não sinto em absoluto que a Amazônia seja "minha". Para começar, nunca pisei lá. OK, falha minha, mas acredito que eu seja acompanhado nela pela maioria dos brasileiros. Estou também convicto de que eu, como a maior parte da população do país, mais perco do que ganho com as queimadas promovidas por pecuaristas e sojicultores locais. Na verdade, sé é correta, como parece que é, a tese de que o carbono de origem antropogênica representa uma ameaça às gerações futuras, tenho razões legítimas para querer o fim deste verdadeiro holocausto vegetal, que, apenas entre agosto de 2007 e abril de 2008, já custou à floresta pelo menos 5.850 km2 de cobertura, o equivalente a quatro vezes a cidade de São Paulo.

Não estou, evidentemente, com essas minhas considerações, isentado estrangeiros de seu quinhão de culpa pelos percalços planetários. Afinal, no passado, eles destruíram suas florestas e, no presente, seguem emitindo quantidades absurdas de carbono por conta do uso irrefletido de carrões, os populares SUVs, e níveis pouco sustentáveis de consumo em geral.

Eles patinam até mesmo nas, por assim dizer, razões morais. Ao canadense ou finlandês que nos cobra pelas queimadas, podemos retorquir: --Ah é?! E o que vocês estão fazendo para impedir o derretimento do permafrost, que inunda a atmosfera com milhares de toneladas de carbono ao ano?

O ponto, porém, é outro. Quero frisar que, embora exista a possibilidade teórica de que internacionalizar a Amazônia seja uma solução boa para a maioria dos brasileiros (e dos terráqueos), não conseguimos nem ao menos discuti-la de forma serena, porque esse tal de nacionalismo já faz com que muitos de nós a etiquetem como "alta traição".

O que, além das fronteiras geográficas internacionalmente reconhecidas --um mero marco legal--, torna a Amazônia "nossa"? Receio que só o que sobra seja esse sentimento meio bruto de que ela nos pertence porque pertence. É um conceito, por assim dizer, fora de lugar. Os mecanismos mentais que disparam o nacionalismo fazem sentido evolutivo na escala da aldeia, dimensão em que reforçam os vínculos e brios do grupo e o tornam mais apto a enfrentar e derrotar ameaças externas, como catástrofes naturais e tribos inimigas que queiram expulsá-los de sua terra.

No mundo moderno, entretanto, o nacionalismo tem servido mais para produzir guerras pouco razoáveis e muito mortíferas do que para cimentar de forma saudável o senso de comunidade. Em populações que se contam na casa dos milhões de habitantes dispersos por áreas às vezes continentais, a melhor forma de despertar a cumplicidade belicosa característica do nacionalismo é recorrer a bandeiras abstratas e artificiosas. Tomemos o recente caso de Kosovo, que opôs sérvios a albaneses. Embora a maioria do habitantes dessa região da antiga Iugoslávia seja de origem albanesa, o território é considerado berço nacional da Sérvia. Foi ali que, em 1389, eslavos cristãos liderados pelos sérvios enfrentaram a invasão otomana. Perderam, mas o local segue sendo considerado vital para a "alma da Sérvia como nação". Por menos razoável que pareça, boa parte dos sérvios prefere sujeitar-se a bombardeios e sanções por parte do Ocidente a desistir desse pedaço de terra miserável e integrar a rica UE.

Há vários outros filmes parecidos. O final nunca é bom. Uma lista curta, restrita às últimas décadas, inclui a patacoada argentina em torno das Malvinas (1982), a Guerra do Futebol, travada entre El Salvador em Honduras em 1969, por causa de uma partida de ludopédio e um contencioso em torno de imigração, e a famosíssima Guerra da Salsinha, que já tive oportunidade de comentar aqui.

É por conta dessas palhaçadas e de muitas outras, por vezes com conseqüências ainda mais trágicas, que sinto um frio na espinha só de ouvir palavras de ordem como "A Amazônia é nossa". Por certo que é, mas e daí? Estamos fazendo um bom trabalho com ela? Não seria melhor vender de uma vez? Se isso fere muitas suscetibilidades, por que não alugá-la para que seja preservada e deixe todas as partes satisfeitas?

O maior drama do homem contemporâneo é que, embora vivamos em sociedades pós-industriais de alta tecnologia e populações absurdamente grandes, permanecemos equipados com uma estrutura psíquica que nos faz raciocinar na escala da aldeia. Por mais globalizada que tenham ficado nossas metrópoles, ainda vemos o estrangeiro como uma ameaça. O nacionalismo e o racismo daí derivados não são as únicas chagas decorrentes do descompasso entre o mundo como ele está e a nossa forma de percebê-lo. Outro exemplo vem da economia. Por mais sofisticado que se tenha tornado o mercado financeiro, ainda consideramos os juros uma imoralidade, e o intermediário, um sanguessuga. Algo dentro de nós diz que não é justo ganhar dinheiro sem "fazer nada". Não nos ocorre que o valor do dinheiro varia dependendo de quem precisa dele nem que disponibilizar bens é uma forma de agregar valor.

O mesmo vale para o campo dos costumes. Por menos razoáveis que sejam, não conseguimos no livrar de certos tabus sexuais e sociais que, sem acrescentar muito, relegam milhões de humanos à marginalidade. Também ainda não fomos capazes de superar a idéia inverossímil de que fomos criados por uma espécie de papai do céu de moral severa a quem devemos obediência total.



Hélio Schwartsman, 42, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

E-mail: helio@folhasp.com.br

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Las claves de la 'bossa'

Joao Gilberto, 'Joao Gilberto' (Polydor, 1974)

La búsqueda de la perfección en la sencillez. "Si soy capaz de imaginar una canción, me siento realizado. Es la compensación a un desafío siempre mortificante. Si algo falla, mi dolor es físico", dijo. La repetitiva Undiú -una de las contadas composiciones de João Gilberto- suena como un mantra en este disco. Apenas una guitarra y una voz, con algunas gotas de percusión, para versiones insuperables de Eu vim de Bahia (Gilberto Gil), Avarandado (Caetano Veloso) o É preciso perdoar (Carlos Coqueijo y Alcivando Luz). Miles Davis comentó que João sonaría bonito hasta leyendo el periódico.


Tenório Jr., 'Embalo' (Dubas, 2004)

Grabado por el pianista en 1964, con 23 años, junto a Raul de Souza y Edson Maciel (trombones) o Paulo Moura (saxo alto). Tenório Jr. salió del hotel Normandie, en Buenos Aires, donde tocaba con Vinicius y Toquinho, la madrugada del 18 de marzo de 1976, y nunca más se supo de él. Tenório, que amaba a McCoy Tyner y Bill Evans, sería una metáfora de la historia de una música instrumental que vivió su edad de oro entre 1959 y 1965. Un lenguaje, llámesele jazz brasileño o samba jazz, revolucionario. La máxima expresión de aquella música fantástica está en tríos como Zimbo, Tamba o Jongo.


Bebel Gilberto, 'Tanto tempo' (Crammed, 2000)

Bebel Gilberto nació en 1966 en Nueva York y es hija de Miúcha y João Gilberto, sobrina de Chico Buarque y prima de la mujer de Carlinhos Brown. Su primer compacto, Tanto tempo, se convirtió en el tercer disco brasileño más vendido de todos los tiempos en Estados Unidos. La chica es la cabeza visible de una bossa nova que se siente a gusto con la electrónica -fórmula en la que se mueven grupos como Bossacucanova- y se recibe mejor lejos de Brasil que en su propio país. Su voz suave y melancólica es deudora de Silvia Telles, Nara Leão y Astrud Gilberto.


Antonio Carlos Jobim, 'Antonio Carlos Jobim' (Elenco, 1964)

Edición brasileña del primer disco de Jobim: The Composer of Desafinado Plays. Tenía ya 36 años. Doce joyas (Garota de Ipanema, Insensatez, Desafinado, Corcovado, Água de beber, Meditação, O amor em paz, Chega de saudade...) en una grabación instrumental -el maestro toca el piano con su habitual estilo económico- que produjo Creed Taylor en 1963 para Verve en Nueva York. Con arreglos para orquesta de cuerdas de Claus Ogerman y las escobillas del gran Edison Machado. La revista Down Beat le otorgó cinco estrellas porque no había más.


Stan Getz y João Gilberto, 'Getz/Gilberto' (Verve, 1964)

Grabado en marzo de 1963, no salió a la venta hasta meses más tarde porque la discográfica no lo veía claro. Con ventas millonarias y cuatro grammies, la bossa nova se proyectaba mundialmente: Stan Getz (saxo tenor), Jobim (piano) y João Gilberto, acompañados al bajo por Tião Neto y a la batería por Milton Banana. Astrud Gilberto debutaba como cantante en The girl from Ipanema -llegó al número uno en EE UU- y Corcovado. Además de Jobim (Desafinado), Caymmi (Doralice) y Ary Barroso (Pra machucar meu coração). Las inesperadas divisiones de la línea melódica que hacía el brasileño fascinaron a los músicos de jazz.


Elis Regina y Tom Jobim, 'Elis & Tom' (Philips, 1974)

El encuentro de la mejor cantante de Brasil con su mayor compositor. Y el regalo que Philips le hacía a Elis Regina por sus 10 años en la casa. Una obra maestra. Nadie ha superado el dúo de Aguas de marzo. Orquestado por César Camargo Mariano, combina en sobrios arreglos, éxitos y temas menos conocidos del cancionero Jobim: Só tinha que ser com você, Brigas nunca mais, Pois é, Modinha, O que tinha de ser. La versión que publicó hace cuatro años el sello Trama, amén de un sonido espectacular -con las 14 canciones en CD y un DVD-, permite disfrutar de los comentarios de la grabación. Alguien habló de haikus sonoros.


João Gilberto, 'Amoroso' (Warner, 1977)

Los primorosos arreglos de cuerdas de Claus Ogerman envuelven la voz y la guitarra de João Gilberto en este disco de cabecera. El genio bahiano frasea un Gershwin de forma única -S'Wonderful-, convierte una canción italiana en un clásico -Estate - y borda un bolero mexicano -Bésame mucho-. Para completar el cartel varias gemas de Jobim: Wave, Zingaro -versión instrumental de Retrato em branco e preto-, Caminhos cruzados y Triste. Y un fantástico Timtim por timtim. Amoroso se grabó en Nueva York, entre el 17 y el 19 de noviembre de 1976, y en Hollywood, del 3 al 7 de enero de 1977.


Henri Salvador, 'Chambre avec vue' (Exxos, 2000)

Caetano Veloso afirma que Habitación con vistas es el disco de bossa nova más hermoso de los últimos lustros. Con canciones de los jóvenes Benjamin Biolay y Keren Ann, vendió millón y medio de ejemplares. El francés, admirador de Sinatra y Nat King Cole, conservó una voz flexible y sedosa hasta su muerte, a los noventa años. Grabó un último disco en Río de Janeiro, con Caetano Veloso y Gilberto Gil, y arreglos de Morelenbaum. No había regresado a Brasil desde 1945 cuando estuvo con la orquesta de Ray Ventura huyendo de la guerra en Europa y se ganó al público con una imitación de Popeye.

http://www.elpais.com/articulo/cultura/claves/bossa/elpepuculbab/20080612elpepucul_7/Tes em 16/06/08

El tsunami emocional de la bossa nova

Caetano Veloso, Milton Nascimento, Chico Buarque... todos recuerdan la primera vez que escucharon en 1958 Chega de saudade, de João Gilberto. La música innovadora y soleada que nació en Río hace 50 años y desencadenó una revolución musical sigue viva.

Mira qué cosa más linda/ más llena de gracia/ es la chica/ que viene y que pasa/ con un suave balanceo, camino del mar...".


En Ipanema se produjo la mayor cantidad de poetas, arquitectos, artistas de la que se haya tenido noticia en Brasil

Si Copacabana estaba asociada a la noche, la 'bossa nova' era música diurna, optimista, ligada a la naturaleza...

Era una nueva forma de hacer samba. "Cántabamos como quien habla al oído de una mujer". Recuerda Calos Lyra

Los japoneses resucitaron innumerables referencias. Y muchos DJ la han vinculado con la música electrónica

Cinco minutos quince segundos grabados el 18 de marzo de 1963 en un estudio de Nueva York por Phil Ramone. El saxo tenor de Stan Getz, el canto y la guitarra de João Gilberto, el piano económico de Antonio Carlos Jobim y la voz suave de Astrud Gilberto cantando en inglés:

"Chica de cuerpo dorado/ del sol de Ipanema/ su bamboleo es más que un poema/ es la cosa más linda que ya vi pasar"...

La Chica de Ipanema, una de las canciones más grabadas e interpretadas de todos los tiempos.

Se ha repetido muchas veces que, en una mesa de la terraza del Veloso, un bar del barrio de Ipanema, en la esquina de las calles de Montenegro y Prudente de Moraes, Antonio Carlos Jobim y Vinicius de Moraes habrían inventado la célebre canción con ayuda de una servilleta y un bolígrafo. Desde allí veían pasar a Heloísa: tenía 19 años, ojos verdes, largos cabellos negros lisos... y causaba sensación entre los parroquianos. En realidad, Jobim -música- y Vinicius -letra- crearon la canción en sus casas en el verano de 1962. Como recalca el escritor Ruy Castro, los dos eran gente seria: iban al bar a beber, no a trabajar. Hoy, la calle de Montenegro se llama Vinicius de Moraes, y el bar, Garota de Ipanema. La canción se estrenaría en público en la boite Bon Gourmet, de Copacabana, la noche del 2 de agosto de 1962, con O encontro (El encuentro), que reunió, por primera y última vez sobre un mismo escenario, a João Gilberto, Jobim, Vinicius de Moraes y el grupo vocal Os Cariocas, bajo la dirección de Aloysio de Oliveira.

Al letrista Norman Gimbell se le encargó adaptarla al inglés. A Gimbell no le gustaba el título porque, y no le faltaba razón, nadie sabía en Estados Unidos dónde diablos estaba Ipanema. Además, el dentífrico más popular en aquellos días se llamaba Ipana y el público podía pensar en un anuncio de pasta de dientes. Pero Jobim no dio su brazo a torcer: la chica era de Ipanema. En Ela é carioca escribe Ruy Castro que en la estrecha franja de tierra de Ipanema, entonces sólo un apéndice de Copacabana, se produjo la mayor cantidad de cronistas, poetas, arquitectos, artistas plásticos, fotógrafos, periodistas, actores y modelos de la que se haya tenido noticia en Brasil. Desde mediados de los años treinta, había ido llegando a aquel arenal prácticamente deshabitado una inmigración europea de alto nivel cultural. Los que venían huyendo del nazismo traían con ellos, dice Castro, el amor a la libertad. Según el escritor Sergio Cabral, la bossa nova era el clímax de un proceso de modernización de las armonías y letras en la música brasileña que había empezado en los años treinta. Su rastro se podía seguir en la guitarra de Garoto, en pianistas y cantantes como Johnny Alf o Dick Farney, y en intérpretes de samba-canção como Doris Monteiro, Marisa Gata Mansa, Maysa o Dolores Durán.

La expresión bossa nova -traducida como nueva ola- significaba algo diferente y se refería al talento para algo. Se fue gestando en los barrios de clase media alta, predominantemente de raza blanca, de la zona sur de Río. Los pequeños clubes de Copacabana -con mención especial para el Beco das Garrafas, en el 37 de la calle Duvivier, el callejón de las botellas que arrojaban los vecinos hartos de jaleo nocturno-, ofrecían una asombrosa mezcla de jazz y samba cocinada por tríos de piano, contrabajo y batería. Si Copacabana estaba asociada a la noche, locales llenos de humo, mujeres fatales y amores infelices, la bossa nova, en cambio, era música diurna, optimista, ligada a la naturaleza... El "nadie me quiere, nadie me ama" dejó paso a "día de luz, fiesta de sol, y un barquito deslizándose por el azul liso del mar".

El 29 de septiembre de 1959 tuvo lugar en el patio de la antigua Facultad Nacional de Arquitectura un multitudinario concierto bautizado como la "Noche de la sonrisa, el amor y la flor". El primero se había celebrado antes en el Grupo Universitario Hebreo, en la pequeña calle de Fernando Osório, con un cartel que rezaba: "Hoy Silvinha Telles y un grupo bossa nova". La nueva música quedaba bautizada. Era un movimiento de jóvenes universitarios. "Unos vagos, que tuvieron el valor de decir que no querían ser ingenieros o lo que fuera", explica el compositor Roberto Menescal en el documental Coisa mais linda-Histórias e casos da bossa nova. Su condiscípulo en el colegio Mallet Soares, Carlos Lyra, iba para arquitecto igual que Jobim. Vinicius de Moraes era diplomático; Menescal preparaba oposiciones al Banco de Brasil; Ronaldo Bôscoli, su letrista, trabajaba como periodista en la revista Manchete. De João Gilberto, asegura el polémico y ocurrente Ruy Castro en Bossa nova. La historia y las historias, que si le hubieran puesto boca abajo en 1957 no hubiera caído ni una moneda de sus bolsillos.

Coincidió con un clima de apertura política. Juscelino Kubitschek era el primer presidente elegido libremente. Su lema: "Recuperar 50 años en 5". Se construye Brasilia, un proyecto de Lúcio Costa y Oscar Niemeyer en la meseta desértica. Brasil se moderniza con la esperanza de ser el país del futuro. Llega el Cinema novo; se estrenan obras teatrales de Augusto Boal y Gianfrancesco Guarnieri; las artes plásticas traen propuestas de Ligia Clark o Hélio Oiticica y los concretistas Augusto y Haroldo de Campos transforman la poesía. En 1958, con Pelé y Garrincha, Brasil conquista su primer Campeonato del Mundo de fútbol. Según el cronista Joaquim Ferreira dos Santos, ese año trajo tantas cosas buenas que no debería haberse acabado. En julio João Gilberto graba un 78 revoluciones por minuto con Chega de saudade. Su transgresora batida rítmica estaba ya presente en dos cortes del elepé Canção do amor demais, grabado en primavera por Elizeth Cardoso y publicado en el pequeño sello Festa. En la etiqueta número 14.360 del sello Odeón, Chega de saudade figura como samba-canção. Aún no se habla de bossa nova. Caetano Veloso, lo mismo que Gilberto Gil, Milton Nascimento, Edu Lobo o Chico Buarque, decidió cantar y tocar la guitarra tras oír la canción por la radio. El minuto cincuenta y nueve segundos de Chega de saudade tuvo el efecto de un tsunami emocional. Buarque asegura que todos recuerdan dónde estaban y lo que hacían en el preciso momento en que la escucharon por primera vez. Para el musicólogo Julio Medaglia, "es la música que todos pueden cantar, pues niega la participación del cantante-solista-virtuoso".

Cuando salió Chega de saudade se oyeron algunas voces preguntando cómo era posible que pudiera grabar un tipo que no sabía cantar. Al gerente de una cadena de grandes almacenes le atribuyen el comentario: "¿Por qué graban ahora a cantantes resfriados?". Quienes intuyeron el tremendo potencial de la bossa nova fueron los vecinos del Norte. Sobre todo los músicos de jazz. También algún editor sin demasiados escrúpulos, que, a cambio de unos cuantos dólares, se hizo con los derechos de bastantes canciones. Para entender las razones del impacto en Estados Unidos, el periodista João Máximo arriesga la hipótesis de unos elementos hechos a medida: énfasis en la melodía, modernización de la armonía y simplificación rítmica. El éxito fue similar al del chachachá diez años antes. Y, sin el Tío Sam, probablemente la bossa nova no hubiese conquistado el mundo con tanta rapidez. El 21 de noviembre de 1962 se organizó en el Carnegie Hall el concierto Bossa nova-New Brazilian Jazz. Se presentaron Jobim, João Gilberto, Luiz Bonfá, Bola Sete, Carlos Lyra, Sergio Mendes, Roberto Menescal, Oscar Castro-Neves... La versión oficial es que cosecharon un gran éxito. Varios de los presentes lo calificaron de desastre.

Acuciado por problemas económicos, João Gilberto intentó vender el porcentaje de sus derechos en el elepé de Stan Getz. Le habría pedido a la discográfica Verve la ridícula suma de mil dólares. Pero el disco seguía en un cajón de la compañía y no le dieron el dinero. Tuvo suerte. Getz/Gilberto se publicó y acabó por convertirse en uno de los más vendidos en Estados Unidos. La revista Down Beat sentenció: "Hace 40 años que nadie influenciaba la música norteamericana como hoy lo hace João Gilberto". Sólo en el primer semestre de ventas, el brasileño obtuvo 23.000 dólares -además de un par de estatuillas que guardó en un armario y que olvidó y perdió en una de sus mudanzas-.

La bossa nova era una nueva forma de hacer samba. Mantiene su ritmo alterando la síncopa, privilegia el lado armónico y lo moderniza a partir de acordes del impresionismo francés, y presenta un lenguaje nuevo con letras coloquiales y utilización del metalenguaje. "Cantábamos como quien habla al oído de una mujer", recuerda Carlos Lyra. Cuando Sinatra grabó con Jobim -la única vez que Francis Albert Sinatra puso su nombre completo en la portada de un disco-, el italoamericano dijo no haber cantado tan bajito desde una faringitis. Como tantos movimientos de vanguardia, provocó controversia y polémica. A la acusación de que desafinaban, Jobim y Newton Mendonça contestaron con un guiño humorístico: Desafinado ("Si insistes en calificar / mi comportamiento de antimusical / Yo, incluso mintiendo, debo argumentar / que esto es bossa nova, esto es muy natural").

En un eterno retorno, y tras haber seducido al mundo, la bossa nova se renueva con artistas como Bebel Gilberto. Prácticamente cualquier canción puede convertirse en bossa, como lo demuestran los franceses de nouvelle vague. Las discográficas han pasado los viejos elepés a compactos y se oye más bossa que nunca. Los japoneses, ávidos de discos brasileños descatalogados, resucitaron innumerables referencias desde los años setenta. Y muchos DJ la han vinculado con la música electrónica. Ya no es cuestión de adultos nostálgicos. Se samplea porque su cadencia cabe muy bien en el lounge o el drum and bass. Por esa senda han vuelto al mercado antiguas grabaciones de João Donato, Marcos Valle o Joyce, que además no paran de publicar nuevos discos en sellos foráneos. Rosa Passos, Vinicius Cantuária, Paula Morelenbaum, Celso Fonseca, Lisa Ono o Mario Adnet trabajan a menudo en clave de bossa. Y los clásicos del género, aunque no siempre en versiones gratificantes, se oyen en aeropuertos, restaurantes, locales de moda, ascensores y consultas de médicos de los cinco continentes.

Hoy, los aviones que llegan a Río de Janeiro aterrizan en el aeropuerto internacional Antonio Carlos Jobim. Hay una placa con el nombre del autor de Samba do avião: "Homenaje de la nación brasileña al hombre que supo cantar la belleza de Río". Allí espera el Cristo Redentor con los brazos abiertos sobre la bahía de Guanabara. La bossa nova fue la banda sonora de un tiempo de esperanza y delicadeza, en el que los narcotraficantes no controlaban las favelas y en el que, como añoraba Jobim, uno podía quedarse a dormir en un banco sin temor a ser asaltado. Nada más carioca que la bossa. La música de una ciudad maravillosa, la saudade de un Río que invitaba a soñar.

Bossa nova. La historia y las historias. Ruy Castro. Traducción de José Antonio Montano. Turner. Madrid, 2008. 535 páginas. 28 euros. Brasileiro. Caja de ocho compactos de Antonio Carlos Jobim. Universal Music reedita además cincuenta discos de bossa nova (Astrud Gilberto, Luiz Bonfá, Nara Leão, Roberto Menescal...).


El paí, http://www.elpais.com/articulo/arte/tsunami/emocional/bossa/nova/elpepuculbab/20080614elpbabart_1/Tes , em 16/06/08

Y el niño negro se convirtió en rey

Su madre no quería que fuera futbolista y el psicólogo de Brasil en el Mundial de Suecia desaconsejó que jugara. Pero los veteranos convencieron al técnico y Pelé inició un camino hacia la leyenda. Hoy se cumple medio siglo de su debut mundialista

"Pelé es demasiado infantil. Carece de espíritu de lucha". João Carvalhaes, psicólogo de la selección brasileña en el Mundial de Suecia 58, desaconsejó la participación de Pelé en el partido decisivo contra la Unión Soviética. Brasil no funcionaba. Había ganado a Austria (2-0) y empatado a cero con Inglaterra. Pelé, además, arrastraba una lesión de rodilla de la que no estaba del todo recuperado. Pero el seleccionador, Feola, decidió apostar por dos jóvenes talentos: Garrincha y Pelé. Sin saber que estaba a punto de ver nacer a dos mitos.


"Echo de menos la pelota, la emoción y la energía en el estadio", dice a sus 67 años

"Tráenos cigarrillos y café", le ordenaban los veteranos del Santos tras su éxito

"¿Qué clase de rey eres tú, que ni bebes ni fumas?", le espetó George Best


Uno de ellos, apenas un niño de 17 años, siete meses y 23 días, que se preguntaba por qué en aquel torneo sueco sólo había jugadores negros como él en la selección brasileña. "Cuando el 15 de junio de 1958 [hoy se cumplen 50 años] fui al estadio Nya Ullevi de Gotemburgo, había 50.000 personas con ganas de ver al pequeño niño negro que llevaba el número 10. Muchos me vieron como una especie de mascota en comparación con el físico enorme de los rusos", recuerda en su autobiografía Edson do Nascimento, que perdió ese día dos ocasiones de gol. Estaba tenso. Y se sintió insatisfecho pese a alcanzar los cuartos con dos goles de Vavá. Les esperaba Gales. Pelé marcó el único tanto, el más importante de su carrera. "Me dio a conocer en el mundo".

Lo mejor estaba por venir. En las semifinales, pulverizó a la Francia de Fontain, el delantero que todavía posee el récord de goles en un Mundial (13). Pelé consiguió un hat trick en el 5-2 que puso a Brasil en la final ante la anfitriona. El fútbol espectacular de la seleçao, con un 4-2-4, levantó expectación. Y el 29 de junio, por la mañana, cayó una tormenta sobre Estocolmo. Brasil vistió de azul. Suecia, de amarillo, ante 49.737 espectadores. Mientras sonaban los himnos, Pelé tuvo una visión de su padre, Dondinho, en casa, escuchando la radio, nervioso y orgulloso de su hijo. Liedholm, delantero del Milan, adelantó a Suecia. Empató Vavá. Volvió a marcar Vavá. Y a los 11 minutos de la segunda parte, llegó uno de los goles más famosos de la historia. Pelé le gritó a Nilton Santos que le cruzara el balón desde el extremo. Lo paró con el pecho, lo dejó botar mientras se le echaba encima Gustavsson. Levantó la pelota por encima del defensa y, tras desbordarlo, la voleó a las mallas. Zagallo marcó el cuarto, Simonsson redujo distancias, y Pelé, elevándose por encima de las torres suecas, cabeceó el 5-2. Había nacido una superestrella.

"Era un niño casi ya formado físicamente", recuerda el gran amigo de Pelé, Pepe Macías, extremo izquierdo del Santos. "Tenía ya el arranque, las piernas fuertes y la velocidad. Saltaba muy bien, con los ojos abiertos, y le pegaba con las dos piernas. Le vaticiné a su padre que se convertiría en el mejor del mundo".

-En España, Bojan, también de 17 años, no disputa la Eurocopa porque está cansado.

-Bueno, Pelé tenía una gran personalidad y los veteranos, Nilton Didí, Nilton Santos y Gilmar, hablaron con Feola para convencerlo de que estaba preparado.

"Las chicas suecas nos amaban. Especialmente a los negros", desvela Pelé. "Tuve una aventura con una llamada Ilena". "Sí, es verdad", certifica Pepe, "aquellas rubias de ojos azules no habían visto chicos negros y se colgaban de nuestros brazos cuando salíamos de compras". Didí, el inventor de la folha seca que pasó discretamente por el Madrid, fue elegido mejor jugador del torneo. "Garrincha y yo éramos demasiado jóvenes e inocentes. Didí fue nuestro maestro", reconoce Pelé. Además de a Didí, Pelé siempre idolatró a Zizinho. "El mejor futbolista brasileño que no ganó un Mundial [participó en el de Brasil 50]".

Pelé pertenece a la tercera generación de hombres libres en un país en el que la esclavitud fue abolida en 1888. Buceando en su árbol genealógico, los periodistas no se ponen de acuerdo sobre si su familia procede de Angola o de Nigeria. Pelé disfrutó de un padre excepcional. Dondinho, un delantero centro de poco éxito, que cuando pilló a su hijo adolescente fumando no le echó la bronca, sino que le advirtió: "No te conviene fumar si quieres ser futbolista profesional, pero si lo haces, aquí tienes dinero para comprar tabaco. No vayas pidiendo por ahí". Dondinho no sólo le enseñó la técnica, sino cómo comportarse dentro del campo. Moviendo los hombros a derecha o izquierda, podía dejar tirados a los defensas sin alterar el curso del balón. Su padre fue un número 9. A él le gustaba arrancar de más atrás, como número 10. Sería un centrocampista de ataque. Pese a ser pequeñito, era fuerte e iba muy bien de cabeza. Siempre tuvo una habilidad para anticipar lo que iba a pasar. Ni que decir que siempre fue un perfeccionista. El Santos tenía un gimnasio y aprendió karate, que le sería útil para caer y saltar. Después aprendió yudo. Ganó equilibrio. Nunca caía tras driblar a los defensas. "Dondinho y su madre, doña Celeste", evoca Pepe, "le dieron muy buena educación".

Doña Celeste no quería que fuera futbolista. Había sufrido las penurias de la carrera frustrada de su esposo. "La Copa transformó la vida de mis padres más que la mía propia. Eran invitados a todas las fiestas", cuenta Pelé, que nació pobre el 23 de octubre de 1940 en Tres Corações, en Minas Gerais, un estado en el sudeste de Brasil, al norte de Río de Janeiro. El apodo de Pelé, que al principio le disgustaba, procede de Bilé, un portero del equipo del padre al que el joven Edson admiraba.

Tras conquistar la primera Copa del Mundo, Pelé regresó a Santos en medio del jolgorio en las celebraciones. Dos años antes, había dejado Bauru siendo un adolescente soñador. Y ahora, al regresar a casa, vio a unos niños jugando en el descampado donde él solía corretear. Les pidió permiso para unirse a ellos. Se fue a casa, se puso unos pantalones cortos, se quitó los zapatos y jugó descalzo. Los veteranos del Santos no le iban a permitir que se le subiera el éxito a la cabeza. "Eh, Pelé, tráenos café y cigarrillos", le gritaban. El Estado tampoco le eximió del servicio militar. Dos años en los que formó parte del equipo militar, del Santos y de la selección brasileña. Jugó más de 100 partidos en 1959.

Precoz en todo, a los 15 años debutó en el Santos. No pesaba ni 50 kilos. Su descubridor, Waldemar de Brito, le sugirió que probara en Santos, una ciudad menos intimidatoria que Río de Janeiro. Al llegar, lo primero que hizo fue visitar el mar. Después acudió a una peluquería al lado del estadio de Vila Belmiro frecuentada por jugadores del primer equipo. "Aquel día", evoca Pepe, "llevaba un jersey azul marino y me llamó la atención su apodo, Pelé. Waldemar me presentó a aquel muchacho. Era un menino muy obediente. En los primeros entrenamientos ya se vio que era especial. Empezó en el lado derecho, como 8".

Frente al Santo André, Pelé marcó el primero de los 1.283 goles de su carrera. En su debut en Maracanã, contra O Belenenses de Portugal, marcó un hat trick. A los 16 años le llamó la selección. Debutó ante Argentina y volvió a anotar. Tenía pasión por los aviones y soñaba con ser piloto. No fue un buen estudiante. Se levantaba sonámbulo por la noche, gritaba gol y se volvía a acostar.

En el Mundial de Chile 62, una lesión en los abductores le impidió disputar la final contra Checoslovaquia, que ganó Brasil 3-1. Fue la Copa de Garrincha. Los marcajes se fueron endureciendo y, en febrero de 1963, ante el Vasco, Fontana y Brito comenzaron a burlarse de él. "¿Dónde está el rey?". Pelé marcó el empate, cogió el balón y se lo entregó a Fontana: "Aquí está, devuélveselo a tu madre. Es un regalo del rey".

El Mundial de Inglaterra 1966 fue muy desagradable para él. Al caos de la seleçao se unió la dureza de los defensas Zhechev y Morais, que lo cosieron a patadas. Y juró que nunca volvería a la canarinha. Se refugió en el Santos, el mejor equipo del mundo en 1968. En un amistoso en Bogotá contra el combinado olímpico colombiano, el árbitro, Guillermo Chato Velázquez, expulsó a Pelé y hubo una revuelta de la hinchada para que revocara la decisión. El Chato fue expulsado y Pelé readmitido. La vida le sonreía hasta que se sintió traicionado por su hombre de confianza, Pepe El Gordo, el empresario de origen español que hizo de padrino de su primera boda y que, según denuncia, le arruinó. Eso le obligó a firmar un largo contrato con el Santos en condiciones desfavorables. Desde entonces, Pepito -José Fornos- se hizo cargo de sus negocios junto a cinco abogados, dos economistas, un publicista y una secretaria. Nacía el emporio Pelé.

Su gol número 1.000 llegó el 19 de noviembre de 1969 ante el Vasco en Maracaná. Un gran acontecimiento. O Rei nunca fue ni capitán de la seleçao ni el lanzador habitual de los penaltis. Durante años, en cambio, había sido el portero reserva del Santos (donde actuó cuatro veces bajo palos) y de la selección (una), cuando todavía no eran permitidas las sustituciones. Pero aquel día tan señalado se puso nervioso por primera vez al disponerse a convertir el penalti. Se acordó de Didí, el inventor de la paradinha, y marcó.

Para México 70, el presidente de la federación brasileña, João Havelange, despidió a João Saldanha -un extravagante ex periodista metido a seleccionador- y puso a en su lugar a Mario Zagallo. Después de dos años de ausencia, Pelé volvió para formar parte del "mejor combinado nacional que ha existido". Acusado de miope por Saldanha antes del campeonato, O Rei fue más recordado en México por los goles que casi marcó: el cabezazo picado que paró el inglés Gordon Banks, el disparo desde el centro del campo contra Viktor, de Checoslovaquia, y el engaño con el cuerpo en un mano a mano con el portero uruguayo Mazurkiewicz.

Coronado tricampeón del mundo, decidió dedicarse a estudiar. "Tengo una gran admiración por quienes le dedican tiempo a los estudios incluso desde que son pequeños". Se licenció en Educación Física por la Universidad de Santos. Sufrió en la prueba de natación de 25 metros. Luchó por los derechos de los futbolistas y logró, años después, mejorar sus condiciones cuando fue Ministro de Deportes en el Gobierno de Fernando Collor de Melho.

No quiso ir al Mundial de 1974. Un año después regresó a Estocolmo e Ilena, la chica que conoció en 1958, se presentó en el hotel con su hija. No la reconoció. Firmó entonces un contrato de dos años por el Cosmos neoyorquino y cobró 9 millones de dólares -casi 6 millones de euros- por el traspaso. Allí conoció a John Lennon. "¿Qué clase de rey eres tú, que ni bebes ni fumas?", le espetó George Best. Hubo, eso sí, muchas novias y muchas fiestas. Tuvo tres hijos con su primer esposa y dos fuera del matrimonio que se vio obligado a reconocer. Actuó en la película de John Huston Evasión o Victoria, en la que Silvester Stallone exigía ser el que marcaba el gol de la victoria. Y anunció de todo, hasta Viagra, pero nada que ver con el tabaco, el alcohol ni la religión. Su hijo Edinho, que llegó a portero del Santos, fue encarcelado varias veces por problemas con las drogas.

A los 37 años colgó las botas: 21 años de carrera, 1.367 partidos y 1.283 goles, 77 en la selección. Era suficiente, pensó. Qué lejos había llegado desde que jugaba descalzo en las calles de Bauru. "Echo de menos la pelota, la emoción y la energía en el estadio, la lucha por conseguir un buen resultado, la alegría y la tristeza en la victoria y en la derrota", confiesa hoy, a sus 67 años. "No envejece", se ríe Pepe. La ciudad de Santos tiene proyectado construirle un museo. Y él sigue frecuentado, 42 años después, la peluquería de Villa Belmiro. Le corta el pelo Didí, el peluquero de siempre.

http://www.elpais.com/articulo/deportes/nino/negro/convirtio/rey/elpepidep/20080615elpepidep_15/Tes, em 16/06/08

"Pai" do Rock, Chuck Berry toca sucessos em São Paulo

É possível dizer que nesta semana o rock estará entre nós. Amanhã, no Rio, e quarta, em São Paulo, Chuck Berry, um dos três inventores ainda vivos do rock (e certamente o mais importante e influente deles), andará que nem pato e cantará sucessos que embalaram mais de meio século de gerações.

Aos 81 anos, o compositor, cantor, guitarrista e gênio influenciou com performance e obra Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan e o resto da cultura ocidental, sendo um dos agentes que sacudiram o preconceito racial nos Estados Unidos. Provavelmente até você, leitor, foi influenciado por Chuck Berry. Fenômeno de costumes tão vivo e difundido, o rock provoca em alguns o equívoco de considerá-lo menor justamente por não ser apenas música.

Sendo assim, incomoda ser uma lenda? "Faz parte do jogo", diz à Folha, entre sonoras gargalhadas. "É ótimo quando você viaja pelo mundo e vê que sua criação se comunica com as pessoas de forma tão intensa." Exemplifica isso ao falar do Brasil, onde tocou em 1993 e 1996. Ele se lembra de dois rapazes que subiram ao palco.

"Eles não me disseram nada, mas o fato de eles estarem se divertindo foi suficiente. Eles apreciavam bastante minha música e mostravam isso."

De certa forma, Chuck Berry aceitou se confinar ao passado, quando misturou country e r&b e disparou pérolas do que se chamaria rock'n'roll. Parou de gravar álbuns de carreira em 1979, com "Rock It", e encara de forma natural o cessar-fogo. "Isso tem um pouco a ver com o cenário das gravadoras.

E depois é preciso reconhecer que o que as pessoas querem de você. Elas não querem que eu faça regravações de Michael Jackson, elas querem que eu toque "Johnny B. Goode". Então, minha grande preocupação hoje em dia é fazer "Johnny B. Goode" melhor do que na noite anterior", declara.



O que não é exatamente ruim quando se tem um passado como "School Days", "Maybellene" e "Johnny B. Goode" e muito menos quando se gosta de dinheiro e fama como Berry.

O guitarrista já enfrentou processos sob acusação de negar autoria a parceiros (como o falecido ex-colega de banda Johnny Johnson). Por décadas, ganhou fama de calotear os músicos que recrutava nas cidades onde ia tocar, pois viajava sem banda; hoje traz músicos, mas o brasileiro Maguinho Alcântara estará na bateria.

Bo Diddley

Animado na maior parte da conversa por telefone (ele falava dos Estados Unidos), Berry só fica mais sério quando indagado sobre o guitarrista Bo Diddley, morto há duas semanas e também visto como um dos criadores do gênero.

"Eu sinto como se tivesse perdido um irmão. Apesar de não ter tido tantos sucessos nas paradas quanto eu, foi um sujeito que deixou um legado, e para mim, era um amigo. A rivalidade que foi criada entre nós nos anos 50 era apenas uma forma de vender discos", afirma, sobre o finado gênio.

Indagado sobre o que mais admira no rock posterior a si, Chuck Berry cita o nome de Michael Jackson e aponta um injustiçado. "Acho que um dos mais subestimados é George Benson, que é bastante elogiado como cantor, mas deveria ser reconhecido também pelo estilo na guitarra."

Chuck Berry
Quanto: de R$ 180 a R$ 300
Quando: qua., às 21h30
Onde: HSBC Brasil (r. Bragança Paulista, 1.281, Chácara Santo Antônio, tel. 0/xx/11/4003-1212)

sexta-feira, 13 de junho de 2008

A volta da filosofia

A coluna de hoje será agitada. Começo traindo a classe. Embora eu tenha formação acadêmica na área de filosofia, vejo com desconfiança a recém-sancionada lei que torna obrigatório o ensino desta matéria e da sociologia nas três séries do ciclo médio em todo o país. A mudança, que não chega a ser uma revolução, pois as duas disciplinas já vinham sendo paulatinamente reincorporadas à rede, parece-me servir mais aos interesses de sindicatos e a um certo populismo educacional do que à causa do ensino propriamente dita.

Antes de prosseguir eu gostaria de desfazer alguns enganos comuns. Não, a filosofia não "ensina a pensar" nem a "ser ético". Trata-se de uma disciplina como outra qualquer. O aluno é apresentado a um universo conceitual específico e, depois, nas provas e trabalhos, instado a mostrar como lida com as novas "ferramentas". Não há mágica nenhuma. Não é porque o estudante vai ler textos que refletem sobre a aquisição do conhecimento, por exemplo, que se tornará mais apto a conhecer. De modo análogo, estudar como determinados autores pensaram a moral e a ética não é em absoluto garantia de que o aluno se tornará um ser mais moral e mais ético.

Concordo que, pelo menos no ciclo médio, é preciso alargar os horizontes do aluno. Não dá para ficar só ensinando português e matemática e as matérias "clássicas" como física, biologia, história. É preciso passar também algumas referências relevantes da cultura e da ciência ocidentais. A filosofia é uma boa candidata, mas está longe de ser a única. Por que não história da arte, direito, estatística, psicologia, medicina? O melhor, creio, seria deixar para cada escola definir o que convém mais a seu público. É esse espírito anarco-autonomista, que constava da redação original da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a popular LDB, que vem sendo revertido nos últimos anos.

Em termos práticos, a nova lei não muda muita coisa. Desde 2006 uma resolução do Conselho Nacional de Educação já obriga as escolas de ensino médio a ministrar as duas matérias. É claro que uma lei é mais forte do que uma resolução, e isso poderá levar os conselhos estaduais que vinham enrolando na implantação da norma a andar mais depressa. A principal alteração está na especificação de que as disciplinas devem ser oferecidas nas três séries do ensino médio. Pela resolução bastava uma. É aí que reside a esperteza dos sindicatos de sociólogos, que viram sua reserva de mercado multiplicar por três. Eu não saberia explicar por que os filósofos, que são provavelmente a única categoria sem representação sindical, também entraram na festa. Imagino que isso se deva ao fato de a disciplina, por razões que a própria razão desconhece, ainda gozar de um prestígio quase reverencial.

A turma da direita já saiu gritando que o novo diploma vai institucionalizar a doutrinação esquerdista. É um risco, admito. Mas há também um outro que eles não apontam: como as faculdades de filosofia dificilmente serão capazes de fornecer a legião de professores necessária para suprir a demanda, as escolas tenderão a recrutar seus docentes pela habilitação mais próxima da filosofia, que é a teologia. E se há algo tão ruim quanto um exército de marxistas vulgares armados de discursos antiimperialistas é uma hoste de padres brandindo catecismos. Pior mesmo só se forem clérigos disparando teologia da libertação, que junta as mais capengas categorias do marxismo ao mais caricatural reacionarismo católico, mas deixemos esse cenário apocalíptico de lado.

Meu propósito central nesta coluna é mostrar que a volta da filosofia e da sociologia ao ciclo básico não passa nem perto de ser uma solução para a grave crise que a educação enfrenta hoje.

O regime militar foi criticado, com razão, por ter eliminado, em 1971, as duas disciplinas do então colegial. Fê-lo por razões muito mais pragmáticas do que teóricas: essas matérias agregavam um número desproporcionalmente grande de professores com idéias de esquerda. É um erro, entretanto, considerar, como alguns ainda o fazem, que a extinção da filosofia e da sociologia foi a responsável pelo ocaso do ensino público que se percebe desde então. Um candidato muito mais verossímil é a massificação da escola. Entre os anos 30 --a era dourada do ensino público-- e os 90, o número de alunos da rede oficial aumentou nada menos do que 20 vezes. Os recursos aplicados cresceram num proporção bem menor.

O resultado foi duplamente perverso. De um lado, a incorporação de grandes contingentes de alunos do estrato social mais baixo significou uma queda na qualidade. Esse, entretanto, era um efeito esperado e que deveria ser transitório. De outro, a rápida ampliação da rede sem um aumento correspondente dos recursos investidos levou a uma espécie de proletarização do professorado. Esse fato, tomado por si só, tampouco precisaria ser um grande problema. A correlação entre salário dos mestres e desempenho dos discípulos é menos cristalina do que supõem os sindicatos.

Ocorre que essas ocorrências não se deram de forma isolada. Esses dois movimentos se reforçaram e, somados a outros que não cabe aqui mencionar, acabaram por provocar uma notável corrosão do prestígio do magistério. Até algumas décadas atrás, o professor, ao lado do padre e do juiz, compunha o rol das "autoridades" de uma cidade do interior. Hoje, os mestres são muitas vezes vistos como o "tipo ideal" do funcionário público indolente, mais preocupado em arrancar pequenas vantagens do Estado do que em cumprir sua obrigação de educar alunos.

É uma generalização e, como toda generalização, essencialmente injusta, mas não inteiramente desprovida de base empírica. Como a categoria de professores de escolas públicas amargou décadas sem obter aumentos salariais significativos, foi se contentando com pequenas concessões que lhe eram lançadas como migalhas pelos governantes. Foi assim que se acumularam, por exemplo, 19 dispositivos legais que permitem ao mestre faltar sem sofrer redução salarial. No Estado de São Paulo, professores têm abonadas até 32 ausências por ano (um mês extra de férias!, diriam alguns). O reflexo dessa política na rede oficial se mede numa taxa de absenteísmo de 12,8%, contra menos de 1% em escolas privadas. Se isso não contribui para a fama de vagabundo, é difícil imaginar o que possa fazê-lo.

É claro que não sou tradicionalista a ponto de chorar o prestígio perdido apenas pelo prestígio. A minha hipótese é que a desvalorização social do magistério é uma das principais causas do desastre educacional brasileiro. Não se trata de mero achismo. Como mostrou reportagem da Folha (íntegra disponível para assinantes do UOL e do jornal) desta segunda-feira, estudo encomendado pela Fundação Lemann e pelo Instituto Futuro Brasil mostra que apenas 5% dos melhores alunos que se formam no ensino médio desejam trabalhar como docentes da educação básica. Dos que ficaram entre os 20% mais bem colocados no Enem 2005 (Exame Nacional do Ensino Médio), 31% querem trabalhar na área da saúde e 18% se inclinam para a engenharia.

Isso significa que estamos recrutando nosso professorado entre os piores alunos, o que, acreditem, faz a diferença. Exaustivo trabalho da consultoria McKinsey (íntegra disponível para assinantes do UOL e do jornal) de comparação de vários sistemas de educação do mundo, publicado no ano passado, revela que a primeira das três variáveis que mais se destacam nas redes de ponta é "escolher as melhores pessoas para se tornarem professores".

Na Coréia do Sul, por exemplo, a primeira colocada no ranking de leitura no Pisa 2006 (exame internacional), os futuros professores são obrigatoriamente escolhidos entre os 5% que se saem melhor na prova nacional para ingresso no ensino superior --o "vestibular" deles. Na Finlândia, segunda no mesmo ranking, os professores são selecionados entre os "top ten".

Trocando em miúdos, o "segredo" do ensino de qualidade é a soma de um truísmo (bons professores formam bons alunos) com uma obviedade (para recrutar os melhores profissionais, é preciso oferecer uma carreira atrativa, senão financeiramente, ao menos em termos de valorização social). É exatamente o que não estamos fazendo.

E não me parece que a introdução da filosofia e da sociologia em regime obrigatório e intensivo contribuam para reverter nossa penúria pedagógica. Essa é antes uma manobra diversionista, mais uma compensação a sindicatos que ficaram por algum tempo de fora do butim. Uma mudança de verdade implicaria redefinir quais são as carreiras com e sem prestígio no país. E isso envolveria redesenhar os feudos já estabelecidos pela república das corporações em que o Brasil tristemente se converteu.



Hélio Schwartsman, 42, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

E-mail: helio@folhasp.com.br