Minha respiração está ofegante. O coração bate depressa, me sinto esgotado. A cabeça a mil, como uma prova valendo o ano. O vento toca minha face, e me invade um sentimento de completude. Sim, a cabeça a mil, voz e corpo, tudo transpira existência. O movimento das mãos tem um poder nunca visto, o discurso se inflama, o corpo emana inconsciente uma vivacidade sempre buscada: só percebemos a felicidade depois que passamos por ela, inconscientes de estar-se lado a lado com o que importa. Ah, ergo o volume do carro e deixo Zombie invadir meu ser, pertencer a mim – ou seria eu o invasor, excessivo, pleno, transbordante? O doce não seria tão doce sem o amargo, o silêncio não teria valor sem um turbilhão para precedê-lo...
Sim, sim, é muito conceito, e todos eles não alcançam-me, simplesmente. Por mais que me esforce para enquadrar o que sinto em palavras, as palavras parecem não bastar. Poema, não mais que um poema; poema, e toda a linguagem que se reinventa, e todo sentido se reconstrói, e toda contingência se faz presente! E Drummond me valeu, sem que eu esperasse, sem que eu quisesse, sem que eu visasse; tomou conta de mim:
“Sua cor não se percebe.
Sua pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.”
Sim, a flor que pintamos em nossa mente, de cores e cores, pétalas e talos, nomes e perfumes: ela não é nada! É retrato mal feito do que é: a vivacidade de uma flor que nunca, nunca, é superada por uma idéia. Sim, a flor no asfalto é feia. E nela há toda a beleza possível: o quase milagre da existência, toda persuasão que me transtorna, toda uma existência que se excede. Emana existência, a flor sem cores e sem nome. Não há lógica, não há linguagem, não há metafísica que transcenda a condição de existir – tudo depende e se volta para a imersão que é o homem no mundo.
- Por mais que você tente me definir: eu, ou você, somos homens. Nunca, nunca tua definição poderá me abarcar. Nós somos maiores que tudo isso, entenda. Nenhum esforço teu fará de mim algo que se resuma em uma idéia, se eu não quiser: e se quero, a escolha de ser como me pensas ainda é minha!
...
Ele acabara a explicação. Os alunos o olhavam, silenciosos. Eles pegaram suas canetas e, orquestrados, baixaram suas cabeças e escreveram. O professor se virou, o ruído dos lápis a percorrer o papel, a angústia para preencher um sentido. Sim, vocês são livres meus caros, pensava ele; vocês têm responsabilidade sobre suas vidas, e não há outra implicação possível desta constatação que não seja em vivê-la da melhor maneira possível.