sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
Little things
Bom, quanto ao encontro, ela se encostaria em mim em seu sono, e seus olhos me fitariam quase que como num sonho. Sua respiração seria baixa, o corpo entregue a um estar no mundo sem grandes responsabilidades, sem um ideal maior. Seu olhar, ao me fitar, me atravessaria – não há necessidade de compreensão, gratidão, ódio. O toque das mãos como um quase adeus, como se a pele de ambos fosse algo que já não pudesse ser descoberto. Não haveria ode a ou b, não seria amaldiçoada a vida, quanto tão pouco sua celebração se expressaria. Ocorreria um sentimento de frio, vento gelado e folhas que farfalham num outono de uma de nossas memórias. Abrigo, sim, quereríamos um abrigo. Mas não um no outro. Quereríamos um abrigo em nós de toda solidão do mundo presente num dia frio. Ela atravessaria a rua e iria para seu quarto, poderia voltar finalmente ao seu mundo de sonhos, ao menos por umas horas. E eu? Isso fica para uma outra hora.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
achado no lixo
E ela ainda eufórica, grita.
– "não vai desarrumá o quarto que acabei de arruma pra você. E volta aqui pra me conta tudinho".
- "ta certo mãe"! grito já lá do quarto.
Quando volto ela estava preparada. Acho que viu a situação que o filho se apresentava. Barbudo, cara de loco, e com um cheirinho de cigarro. Bem pouquinho.
Ela e aquele grampo de cabelo. Duas imagens supra-supra. Ultra-sumo
Tia nazaré. Ai meu deus. Lá vem ele e ela. Ela foi chegando (com o grampo) e, ...
- "me deixa ver seu ouvido, devem estar uma porqueira".
- "Você não toma banho lá em Maringá não"?!
Olha!
- você está fedendo! E me deixa ver seus ouvidos, vem cá!
- "mais mãe..." dizia sem êxito algum. E ela: "- mais mãe nada, deixa eu ver e pronto e acabou!"
- vira aqui que tem mais luz. E eu virava. Era inevitável. Não tinha como. Ela era mais forte que eu e, aliás, ela banca minhas drogas. Minha vida.
Virava, dava o ouvido e ela começava. Deu o primeiro cutucão e ia murmurando que estava chegando.
- essa é grande.
E às vezes um berro pra variar.
- essa é enorme!
E cutucava. Parecia que entrava até o ponto limite. Ela puxou o grampo e veio com um monte de cera. Mas um monte pra
valer. Ela enfiou novamente o grampo de cabelo que deveria ser o mesmo do ano passado e puxou mais uma vez.
- Ai, mãe! Essa doeu, mãe!
- o que arde cura. Mas não tinha ardido, tinha doido. É diferente. Mas deixei como estava. Eu ali e ela tirando cera.
- mas é que doe, mãe.
-mas isso aqui tem que limpar, olha a sujeira que está seu ouvido. Não vê?! Além disso, deu pra ficar cego? Agora é surdo e cego! Estou perdida!
-vira a cabeça menino teimoso!
Pois bem, essa última puxada doeu como nunca. Ela arrastou o grampo no meu ouvido que, se não saísse nada sólido era porque era só sangue. E saiu.
- tem alguma coisa prendendo, parece que não quer sair, filho.
- como assim? Tira logo isso, mãe! Ta doendo demais.
E puxou. Senti um tranco. Uma coisa grande foi saindo, uma bola de coisas nojentas, da qual minha mãe me fez o favor de tirar. Era de vomitar. Era enorme. Tinham coisinhas estranhas; fios de cabelo, muito algodão, pecinhas de plástico, de madeira e de ferro, uma gosma mais densa cor de coco e, além de muita cera úmida e morna. Acho que tinha alguma coisa se mexendo lá de dentro. O engraçado disso tudo é que mamãe colocava todos esses anos, na ceia do natal, essa bola para os outros familiares comerem. Era uma disputa ferrenha sua almôndega ao molho madeira.
isso foi um fato verídico que, ainda hoje, lá na casa da minha avó, disponibilizo almoço e janta.
sábado, 23 de fevereiro de 2008
Foucault
"Sonho com o intelectual destruidor das evidências e das universalidades, que localiza e indica nas inércias e coações do presente os pontos fracos, as brechas, as linhas de força; que sem cessar se desloca, não sabe exatamente onte estará ou o que pensará amanhã, por estar muito atento ao presente; que contribui, no lugar em que está, de passagem, a colocar a questão da revolução, se ela vale a pena e qual (quero dizer, qual revolução e qual pena). Que fique claro que os únicos que podem responder são os que aceitam arriscar a vida para fazê-la."
Michel Foucault,
Nelson Piquet (1994)
Roseli Tardelli: Boa noite! Ímola, Itália, quatro pilotos acidentam-se, duas pessoas ficam feridas e dois pilotos perdem a vida. Morre o tricampeão Ayrton Senna. O domingo mudou de cor aqui no Brasil. A Williams que o Senna pilotava bateu contra o muro na curva Tamburello a quase 300 km por hora. Ontem, o Grande Prêmio perdeu seu caráter festivo e ficou um gosto ruim de impotência diante da morte. O domingo que mudou de cor ontem, no Brasil, poderia ter mudado há sete anos, quando o também tricampeão Nelson Piquet, que está hoje no centro do Roda Viva, sofreu um acidente na mesma curva. Nelson Piquet, que nasceu no Rio de Janeiro em 1952, começou no automobilismo pelo kart, em que foi campeão pela primeira vez em 71. Considerado um excelente preparador de motores e acertador de carros, Piquet estreou na Fórmula 1 em 78. Passou 14 anos por lá, disputou 204 Grandes Prêmios. Venceu 23 vezes, conseguiu 24 pole positions, e deixou a Fórmula 1 em 92. Na Fórmula Indy, sofreu acidente nas 500 milhas de Indianápolis, em 92. Declaração de Nelson Piquet: “Não me preocupo com a morte, estou sempre perto dela e quem tem alegria de viver dá uma banana para a morte!”. Para entrevistar Nelson Piquet, convidamos os seguintes jornalistas: José Emílio Aguiar, editor assistente de esporte do jornal o Estado de S. Paulo; Mair Pena Neto, sub-editor de esportes do Jornal do Brasil; Paulo Stein, locutor da Rede Manchete; Milton Alves, repórter esportivo do jornal O Globo; Celso Miranda, comentarista esportivo da Rede Cultura; Luiz Alberto Pandini, repórter esportivo do Jornal da Tarde e da revista Greed; Marcos Zamponi, redator da revista Auto Esporte; Milton Coelho da Graça, da TV Educativa do Rio de Janeiro; e Eduardo Viotti, editor de "Veículo" da Folha de S. Paulo. [Programa ao vivo] Piquet, boa noite!
Nelson Piquet: Boa noite!
Roseli Tardelli: O Senna não conseguiu dar uma banana para a morte, por quê? Problemas no carro, problemas no próprio Senna, ou essa questão da pista que todo mundo está reclamando agora?
Nelson Piquet: Olha, eu acho que foi um acidente... foi um acidente fatal, foi muito parecido com o que aconteceu comigo. Eu tive um pouco mais de sorte do que ele. Acho que a grande diferença é que eu bati com a frente do carro virada para onde eu vinha e, pelo que eu vi bem do acidente dele, o que deve ter acontecido é que a roda dianteira bateu na cabeça dele - o que geralmente acontece. Isso de você bater de ângulo na parede, a primeira coisa que acontece é que a roda dianteira quebra o triângulo debaixo e ela vira apoiando pelo triângulo de cima e bate na cabeça. Depois ela decolou. E eu... não aconteceu isso porque eu bati de ré, bati, quer dizer, lateral, mas andando para trás. Então, a roda dianteira foi para frente. É uma curva que - eu nem posso falar que é uma reta, que não é reta, é uma curva. Mas é uma curva que não é reta. É uma curva... é uma reta torta, praticamente. Realmente, tiveram três acidentes nessa curva, sérios: o meu, o do Berger e o do Senna. O meu e do Berger foi já, com certeza, provado que foi um acidente mecânico, houve falha mecânica. E o do Senna eu tenho certeza também que foi uma falha mecânica. Só que existe muita polêmica, mas isso vai existir, porque ninguém vai admitir a culpa de ter quebrado alguma coisa no carro ou estourado um pneu. Isso, então, sem dúvida, tem que se chegar à conclusão de que aconteceu alguma coisa no carro. Se não for o carro, seria o Senna. Mas o Senna, [era] novo, preparo físico ótimo, nunca teve problemas de saúde. Então, acho muito difícil. E errar, ele não poderia errar ali. Não é uma questão de errar, ali acho que não teria maneira de uma pessoa errar aquela curva. Então, a única coisa que você pode pensar é... realmente foi uma falha mecânica que aconteceu.
Roseli Tardelli: A equipe já descartou essa possibilidade, na tarde de hoje.
Nelson Piquet: Eu acho que eles vão ter que descartar isso sempre, eles não podem admitir a culpa. Mas, sem dúvida, não tem outra explicação.
Roseli Tardelli: Não faz parte do jogo da Fórmula 1 admitir culpas, também?
Nelson Piquet: Não em caso de morte. [Pausa]
José Emílio Aguiar: Bom, uma coisa que tem-se comentado é que a hipótese mais provável do acidente teria sido a quebra da suspensão traseira. Você acha que essa é uma hipótese provável?
Nelson Piquet: Olha, pode ser quebra da asa dianteira - acontece a mesma coisa -, ou a quebra da suspensão traseira, os carros são muito rígidos e com aquela pressão aerodinâmica, com aquela asa que eles carregam atrás, qualquer coisa que quebra atrás o carro abaixa a traseira e a frente fica inguiável. Eu sei disso porque já aconteceu várias vezes isso comigo, mas acontece em lugares diferentes. Acontece no meio da reta - realmente uma reta em que você não precise virar - então o carro arreia a traseira e você perde o controle do carro. Quando você diminui a velocidade, você consegue dirigir o carro até o box, porque você perde a pressão aerodinâmica e perde essa insegurança do carro, as rodas encostam no chão e você consegue guiar. Mas em alta velocidade e naquele momento - se aconteceu, naquele momento, ali, como aconteceu com o Berger [Gerhard Berger, austríaco, um dos maiores nomes da Fórmula 1, apesar de nunca ter sido campeão mundial, disputou 210 GP´s em 14 temporadas, de 1984 a 1997, quando se afastou do esporte; no Grande Prêmio de San Marino, em 2004, Berger pilotou uma Lotus em homenagem aos dez anos do falecimento de Senna e do também austríaco Roland Ratzenberger, falecido um dia anterior da morte de Senna, nos treinos], que quebrou a asa dianteira também - você vai em frente, sem nenhuma dúvida. Então, eu acho que quebrou a suspensão traseira, eu acho, não há dúvida que... Inclusive, você olhando pela filmagem do carro do Schumacher [Michael Schumacher, alemão, campeão mundial por sete vezes - nos anos de 1994 e 1995, pela Benetton, e de 2000 a 2004, pela Ferrari - tendo sido o maior campeão de todos os tempos; retirou-se do esporte no final da temporada de 2006], você vê que o carro vira um pouco para a direita e depois vai em frente. É uma coisa que é muito difícil de você provar isso, porque depois que o carro se destrói tanto, o carro machuca tanto - e arrancou duas rodas -; então, fica muito difícil de você provar uma coisa assim. Mas, no bom senso...
José Emílio Aguiar: Mas pela câmera do Schumacher - a câmera de dentro do carro do Schumacher - não dá para ver que tem uma queda, assim, para um dos lados. Então, por exemplo, se a suspensão quebra para o lado direito, normalmente o carro cai assim, para a direita, ou para o lado em que a suspensão quebra. Não teriam ficado marcas de pneu no chão, também? No caso de um... [Piquet interrompe, tornando o comentário incompreensível]
Nelson Piquet: Não, não. Primeiro, o carro naquela velocidade anda praticamente a 90 metros por segundo, anda muito rápido. Segundo, você vê, pouco antes do carro virar, faísca que sai do chão. Mas isso é uma coisa normal, porque, no início da corrida, o carro está com os tanques mais cheios, o pneu está com uma calibragem um pouco mais baixa, então sempre toca muito no chão. Mas você vê que, depois que ele toca, imediatamente ele vira para a direita. E outra coisa, você está muito longe, a câmera não foca muito bem. E os carros andam, praticamente, no chão. Praticamente no chão, na reta. A partir de 200 e tantos quilômetros por hora, que é uma velocidade superior a qualquer curva, o carro anda praticamente no chão, com uma diferença muito pouca. Então, ele vai variar, se a suspensão quebrar, talvez um centímetro e meio a mais [indica com o polegar e o indicador a distância que o carro ficaria do solo]. E um centímetro e meio, naquela distância, você não vê.
[...]: Você descarta totalmente a possibilidade de falha humana?
Nelson Piquet: Olha, só se você... só se você puder, vamos dizer, [dizer] que o Senna teve uma parada cardíaca ou alguma coisa assim. Se ele, tipo... são, em sã saúde, ele com uma saúde boa e se não aconteceu nada com a saúde dele, é impossível. Ali é impossível um erro humano.
Milton Coelho da Graça: A RAI [emissora italiana], como de costume, faz uma péssima transmissão e nem sequer colocou a câmera numa boa posição na Tamburello, apesar de ser uma curva de triste história. Mas há uma testemunha importante que, talvez melhor do que a câmera que estava no carro do Schumacher, que é o próprio Schumacher.
Nelson Piquet: É verdade.
Milton Coelho da Graça: E ele disse, ele declarou que, na volta anterior - ele vinha logo atrás do Senna - ele tinha notado que o carro do Senna estava instável na Tamburello e tinha patinado um pouquinho. Com esse depoimento você teria uma indicação a mais para você tentar fazer um diagnóstico do que realmente aconteceu? Porque o Schumacher diz isso; ali, como o companheiro falou [apontando para Aguiar], há um momento, quer dizer, até a televisão dizer que o carro foi reto... O carro não foi reto! O carro já estava fazendo a curva quando, nitidamente, ele inflete para a direita e aí vai reto. Mas aí ele dá uma inflexãozinha. Por isso que eu acho que a tese do Piquet tem validade, a da suspensão traseira, porque o carro realmente vira um pouquinho para a direita. É quase imperceptível, mas ele vira. [Piquet faz um comentário ao fundo incompreensível] Pois, é! Mas por que o Schumacher diria aquilo?
Nelson Piquet: Olha, espera aí! Ali é o seguinte: se você olhar a planta do circuito, de cima, você vai ver que ali é uma curva constante. Logo, se você vier todo para o lado de dentro da pista e fizer aquela curva, você consegue fazer; se vier pelo lado de fora, você consegue fazer. Então, não é uma curva onde você precisa se concentrar, onde você [pode] sentir o carro balançar. Não é, não é isso. É uma reta. Ali é uma reta, só que faz a curva [riso]. É difícil de explicar isso. Então, quando você vê o carro do Schumacher - a câmera, pelo carro do Schumacher - o Schumacher está virando o tempo inteirinho. Então, você vê que ele vai para a direita, mas ele vai para a direita porque ele vai reto, [pausa] entende? O Schumacher está sempre virando. Então, você vê que ele vai reto e realmente ele vai reto, porque ali é uma curva inteira. Você não pára de virar ali.
Milton Coelho da Graça: Mas e esse depoimento do Schumacher [de] que, na volta anterior, o carro tinha patinado na frente dele e parecia instável?
Nelson Piquet: Patinado é impossível [adiantando a resposta antes que da Graça tivesse concluído a pergunta]! Patinado é impossível, porque você não perde.. vamos dizer, você não perde tração numa velocidade daquela. Porque você já sai embalado, você já está a 300... beirando... você sai daquela curva lá a uns 280 quilômetros por hora e chega no fim da reta a uns 320 quilômetros por hora. Então, você ali não tem... Se, por um acaso, o carro mexer naquela curva ali, você não consegue fazer as outras curvas do circuito. Até porque ali não é uma curva!
Paulo Stein: Piquet, você foi bem claro no início que você está culpando, pela morte do Senna, a roda. Nós estamos aqui, praticamente determinando a causa do porquê o acidente, o carro sair da pista. Mas a roda, na tua opinião - e eu concordo plenamente - foi que... Inclusive pelos laudos dos médicos é... porque não teve nada no corpo e na cabeça... Eu queria te fazer uma pergunta técnica em função disso: essa construção do triângulo que sustenta a roda não é uma falha da projeção dos carros da Fórmula 1?
Nelson Piquet: Não, eu só posso falar se a roda bateu realmente na cabeça dele se o capacete dele está marcado de pneu, entendeu? E eu não vi. Então, tem duas coisas que podem ter sido: pode ser a roda que bateu ou pode ser realmente... Quando bateu, o carro fez assim [indicando com a mão a inclinação do carro no sentido do muro], e ele bateu com a cabeça na parede. Eu queria ver... No meu caso eu sei porque, quando eu vi meu capacete, meu capacete estava raspado e bateu na parede, meu capacete. Na hora em que eu bati, o carro entortou e, com a cabeça, eu encostei meu capacete.
Paulo Stein: Quer dizer que o capacete pode determinar... [sendo interrompido]?
Nelson Piquet: Ah, o capacete determina! Por isso que eu estou falando que têm duas possibilidades: ou a roda, que acontece muito... E, na minha época, era mais seguro ainda porque, como o regulamento não falava que o piloto tinha que estar atrás do eixo dianteiro, as rodas eram bem para trás. Então, toda vez que tinha um acidente desses, a roda passava para trás da gente. Quando fizeram esse regulamento, onde o eixo dianteiro - por segurança, para ter mais segurança para os pés - botaram as rodas dianteiras mais para frente, esse perigo tornou-se maior. O problema do triângulo é o seguinte: quando você bate forte, não tem triângulo que segure aquilo lá. Aquilo é para segurar a suspensão do carro. Como ele é fixo embaixo, ele é o primeiro a quebrar. Mas em cima ele não é fixo, em cima ele tem os bojões, que viram e... Então, ele quebrou embaixo e a roda veio [flexionando o antebraço direito em direção à sua cabeça] ... E o próprio triângulo de cima segura ele para ele bater na pessoa. Agora, eu só poderia falar isso sinceramente se eu visse o capacete dele. Porque aí você vê se realmente a pancada que ele levou foi na parede ou foi do pneu.
Marcos Zamponi: É sobre essa discussão. O novo regulamento deixou o Fórmula 1 muito mais difícil de ser pilotado e tecnicamente bastante limitado. Em compensação, os motores a cada dia geram mais potência. Você não acha que esse novo regulamento influiu decisivamente nessa tragédia do fim de semana?
Nelson Piquet: De jeito nenhum. Você, do ano passado para este ano aqui, o que você acha que ganhou em potência: dois por cento, três por cento? Não ganhou! O único motor que ganhou muita potência do ano passado para cá foi o motor Ford, que já é um motor diferente. E chegou um pouquinho o motor Peugeot. Mas não criou essa cavalagem, essa potência mágica. Outra coisa: o regulamento que está hoje é o regulamento de três anos atrás, quatro anos atrás, cinco anos atrás. Simplesmente eles tiraram duas coisas: a suspensão ativa... Por que é que eles tiraram? Para igualar a Fórmula 1 e dar chance para os outros times de igualar a Fórmula 1, porque meia dúzia de times tinha, ou dois tinham, ou três times tinham, com meia dúzia de carros, a suspensão ativa, e os outros times não tinham a suspensão ativa. E custava muito dinheiro para desenvolver. Então, eles igualaram para todo mundo a suspensão. E que mais eles igualaram? Igualaram o problema do câmbio. Tinha um câmbio que era totalmente programado, você não passava mais a marcha você só freava e acelerava. Hoje em dia, você tem que passar as marchas. Mesmo no volante, mas você tem que passar as marchas. Que mais...? [Sendo interrompido]
Marcos Zamponi: O piloto simplesmente não tocava o câmbio, não tocava em nada?
Nelson Piquet: Nada! Simplesmente era tudo programado. O carro sabia onde ele estava na pista: você freava, ele reduzia a marcha; você fazia a curva, acelerava. Ele passava as marchas, tudo automaticamente, antes de chegar no limitador. Então, com isso você poupava mais o motor, você não teria o problema do piloto errar a marcha, de botar a marcha errada ou de trocar antes do tempo. E... o que mais eles mudaram no regulamento? O controle de tração. Se é um campeonato para avaliar o talento dos pilotos - o campeonato mundial de pilotos - estava ficando um negócio meio ridículo, porque você não passava mais as marchas, você não regulava mais a potência que você usava, você chegava na curva e pisava fundo. E o carro, automaticamente... o computador dizia a potência que teria que andar na curva para não patinar as rodas. Então, você estava tirando um pouco da graça da dirigibilidade do piloto e igualava mais os pilotos ainda. Então, o que fizeram no regulamento, de maneira nenhuma, afetou o que aconteceu domingo agora.
Mair Pena Neto: Bom, Piquet, eu estou lembrando agora que o próprio Senna reclamava desse excesso de tecnologia, dizendo que estava perdendo a graça de guiar. E acho que vários pilotos lutaram para que o regulamento mudasse - como acabou mudando - tornasse uma coisa mais equilibrada para ser disputada no braço mesmo. Agora, houve uma mudança anterior que foi quando eles estreitaram os pneus e o pessoal da Goodyear, na época, disse que os carros iam ficam muito perigosos. Não aconteceu nada no passado, talvez pela eletrônica, e agora está acontecendo uma série de acidentes. Você acha que esses pneus mais estreitos têm alguma interferência, sem a eletrônica, ou eles também... isso não precisaria ser revisto e voltar aos pneus como eram antigamente?
Nelson Piquet: Não, de jeito nenhum. O que eles tentaram fazer foi o seguinte: diminuir a velocidade nas curvas com os pneus mais estreitos, justamente para você não precisar de área de escape tão grande. Se você é capaz... Se o carro tem os pneus grandes o suficiente, aderência na pista para fazer uma curva, ao invés de 120 km por hora [para] fazer uma curva a 180 km por hora - esse é um exemplo, bom, muito grande... Se por acaso quebrasse alguma coisa nesse carro, ou se o piloto errasse, você teria que ter uma área de escape muito maior, os autódromos teriam que ser muito mais modificados. Então, o que eles fizeram? Diminuíram a velocidade dos carros na curva. Não que diminuíram, tentaram diminuir. E diminuíram o contato do pneu no chão. Isso o que aconteceu: o carro anda mais na reta, tudo bem, mas você tem que frear mais e fazer as curvas mais lentas. Você freando mais, você tem mais ultrapassagens. Então você torna um show, que é o da Fórmula 1. Você torna a coisa mais competitiva, mais difícil de guiar. Então, foi uma coisa estudada para tentar fazer a Fórmula 1 mais interessante de ver. O carro ia andar mais rápido na reta e fazer as curvas mais lentas. Se você comparar a Fórmula 1 de hoje com a Fórmula 1 do tempo do Fangio, a velocidade da reta, no tempo do Fangio, era tão grande quanto a velocidade da reta dessa Fórmula 1. Só que as velocidades das curvas eram muito menores, porque os pneus eram muito estreitos e não tinham asa, não tinha aquela pressão aerodinâmica. E como, com a tecnologia, todo ano você melhora o carro, melhora a condição dos pneus e melhora a condição da suspensão, cada vez [mais] a Fórmula 1 está ficando mais rápida nas curvas. E só tem uma maneira de frear isso: é diminuindo a área de contato dos pneus no chão e diminuindo o tamanho das asas.
Roseli Tardelli: Mais interessante... mais perigosa, Nelson Piquet?
Nelson Piquet: Não necessariamente. Mais interessante para ter mais ultrapassagem e mais disputa.
Celso Miranda: Pois é, tornando a categoria mais interessante, você não acha que também deveria haver uma preocupação com a construção do carro? Na Fórmula Indy, por exemplo - você teve oportunidade de dirigir os carros lá em 92, 93, e o Raul estava comentando, inclusive ontem - o piloto fica mais afundado dentro do carro, protegido mais lateralmente. Na Fórmula 1, o piloto fica mais exposto, a partir do ombro. Você falou aí do capacete bater na mureta... Você acha que um carro de Fórmula 1 com o piloto mais afundado, tipo Fórmula Indy, protegeria o piloto nesse caso?
Nelson Piquet: Não. Simplesmente na Fórmula Indy o piloto... o carro é feito daquela maneira... por maior velocidade, você tem que ser enterrado muito mais para [se] proteger do vento. Isso é uma das coisas que faz na Fórmula 1 [equivoca-se e diz Fórmula 1 em lugar de Fórmula Indy], porque você chega a velocidades finais de 400 km por hora. E na Fórmula 1 você não chega a isso. O pique é chegar a 320. Na Fórmula Indy - vamos dizer, nas 500 milhas - você faz médias horárias de 360, 370 km por hora. Então, você tem que estar muito mais protegido do vento. Agora você vê, aquele...
Celso Miranda: Jovy Marcelo [Edward Jovy Marcelo Jr. (1965-1992), piloto filipino, falecido em um acidente nos treinos das 500 milhas de Indianápolis], em 92...
Nelson Piquet: Aquele que morreu. Como é que é o nome dele? O filipino, que morreu.
Celso Miranda: O Jovy Marcelo, mesmo. [ao fundo]
Nelson Piquet: Por quê? Porque ele bateu com o pescoço na proteção do carro.
Celso Miranda: Dentro do carro?
Nelson PIquet: Dentro do carro. A proteção bateu no pescoço dele. Então não tem jeito de você ter um carro que anda 300 ou 400 quilômetros por hora seguro ao ponto de não acontecer nada. É um esporte perigoso. É um esporte que... sabe? Em falhas mecânicas, como aconteceu naquele lá, não tem jeito. Por isso que eu estou falando: ali, naquela curva, não tem pneu, não tem grade de proteção, não tem nada, por quê? Porque é impossível o piloto errar ali. Ali, só se tiver uma falha mecânica. "Ah, poxa, então não se pode correr ali, porque tem aquela..." [reproduzindo o comentário de alguém]. Então, não se pode correr em Mônaco, não se pode correr na Austrália, não se pode correr em Interlagos. Porque, em Interlagos, quando você sai da junção, você tem aquela quebrada lá. Aquela quebrada, se o carro quebrar ali, você vai no muro de concreto!
Celso Miranda: O motociclismo, inclusive, pediu várias modificações ali.
Nelson Piquet: Você vai no muro de concreto de Interlagos, ali! Se o carro quebrar ali você vai no muro de concreto! Gente, é a mesma coisa! Entende? a situação ali... Você não pode culpar o circuito por isso. "Ah, o circuito ali é perigoso?" [Reproduzindo o comentário de alguém] Porque tem esses pontos de velocidades altas de reta. Então, vocês vão fazer todos os circuitos que nem o circuito que correu no Japão agora, aquele circuito Super Mickey Mouse [risos], onde você anda para a esquerda, para a esquerda, para a direita, para a esquerda [serpenteando com a mão], aquelas retinhas curtas! Tudo bem! Aí, vai ser quase impossível de acontecer... Inclusive a pole, porque um carro pode subir no outro e a roda pode bater. Aí vai acabar que você vai ter que fazer um carro fechado, gaiola, isso e aquilo. É quase impossível.
Celso Miranda: Você acha então que o carro hoje está seguro, é um carro seguro?
Nelson Piquet: Eu acho que os carros hoje são super seguros. Os monopostos são super fortes. Você vê que, uma pancada daquelas que houve, beirando 300 km por hora, você viu o monoposto todo integral ali dentro. Ele bateu quase... [posicionando os dedos de uma mão perpendicularmente à palma da outra]
Celso Miranda: E o carro do Ratzenberger [Roland Ratzenberger (1960-1994), austríaco], que houve um furo, foi perfurado?
Nelson Piquet: Tudo bem... Sabe, não são à prova de bala, mas são muito bem feitos.
Milton Alves: Nelson, você falou agora há pouco do motor Ford, que é um bom motor e está provando aí... ganhou três provas, não é? E, quando você deixou a Benetton, uma das suas alegações foi a falta de perspectiva de evolução daquele motor. Você achou que o Ford V8 não tinha mais para onde evoluir, que o caminho era o V12. O que mudou?
Nelson Piquet: Simplesmente a Ford fez um trabalho muito bom: eles diminuíram o curso, aumentaram o tamanho do pistão, fizeram um motor que ninguém esperava que ia conseguir virar o que está virando em rotação, e ganharam esses 30 cavalos que estavam atrás dos motores V10. Porque o problema crônico do motor de quatro cilindros é a vibração. E um V8 são dois motores de quatro cilindros inclinados e têm um problema de vibração enorme, por nascença. Por isso que o V12 funciona bem: porque são motores de seis cilindros e você põe o pé no seu carro... Se você tem um antigo Opala quatro cilindros ou seis cilindros, você vê que com quatro cilindros ele chacoalha, com seis cilindros ele nem mexe. Então, é um problema crônico. E eles venceram esse problema, que era tudo problema de rotação. Eles conseguiram vencer. Não sei como isso, mas eles conseguiram. Eles trabalharam muito e ganharam essa cavalagem que faltava na rotação.
Eduardo Viotti: Nelson, nessa mudança de regulamento, e por causa dessa seqüência de acidentes, sempre surge uma série de acusações à cartolagem, ao mercantilismo, à FIA [Federação Internacional de Automobilismo, fundada em 1904, com sede em Paris, principal entidade regulamentadora do automobilismo no mundo] e essas coisas, e que o piloto não tem voz... Por que a Associação de Pilotos [GPDA - Grand Prix Driver´s Association, criada em 1961] nunca emplaca na Fórmula 1, já tentaram um monte de vezes e nunca emplaca?
Nelson Piquet: Gente, eu não posso falar nisso não. Eu acho que a Fórmula 1 hoje é o que é e tem o sucesso que tem, e os pilotos têm a fama que têm, têm a projeção que têm, pela cartolagem. E hoje eu tiro o chapéu. O que foi feito na Fórmula 1, esses anos, o que tem feito de segurança, o que tem feito de pistas novas... melhorou muito do início da Fórmula 1 que eu corria. E as regras de segurança hoje são muito boas. Hoje em dia, a Fórmula 1 é bem trabalhada, bem organizada, bem disciplinada. E eu não posso - eu [estou] realmente afastado da Fórmula 1 - não posso dizer nada contra a cartolagem da Fórmula 1. Realmente, o que eles têm feito, o trabalho que tem sido feito na Fórmula 1 é de tirar o chapéu.
Eduardo Viotti: Agora, você acha que no circuito de Ímola, com aquelas áreas de escape que você mostrou ali, o nível de organização após o acidente que apareceu ali, seria aprovado fora da Europa, por exemplo?
Nelson Piquet: Como provado?
Eduardo Viotti: Seria aprovado para corridas fora da Europa? Seria homologado?
Celso Miranda: Como aqui no Brasil, por exemplo.
Eduardo Viotti: Se fosse aqui no Brasil, um circuito igual ao de Ímola, que demorou para tirar o piloto do carro, aquelas coisas...?
Nelson Piquet: Eu não acho que demorou, de jeito nenhum. Chegaram lá com um minuto e 40, chegaram lá com a equipe. Eles fizeram a operação já no circuito. Se você visse o acidente do Berger, que pegou fogo, os caras apagaram o acidente na hora! Pelo contrário, lá realmente é um profissionalismo muito bom, na pista de Ímola. Os caras trabalham ali, não só na Fórmula 1, mas em qualquer outra categoria. Eu acho que, nesse ponto, não teve erro nenhum.
Eduardo Viotti: Só para finalizar, você já sofreu acidente grave na Indy e na Fórmula 1 - em Tamburello e nas 500 milhas. Onde foi pior estar dentro do carro, em que carro foi mais difícil estar dentro: no carro de Fórmula 1, ao bater, ou no carro de Fórmula Indy, ao bater? Aquela questão que o Celso... só complementar.
Nelson Piquet: Olha, eu tive dois acidentes, mas eu me machuquei muito mais foi nos Estados Unidos [acidente provocado pelo furo lento em um pneu, durante um treino das 500 milhas de Indianápolis, 1992, no qual Piquet sofreu traumatismo craniano, lesões torácicas e politraumatismos nos membros inferiores], e graças a Deus eu estava... [sendo interrompido]
Eduardo Viotti: Porque é consideranda uma pista mais segura. A pista é inclinada, com o muro próximo, não é?
Nelson Piquet: Mais segura?
Eduardo Viotti: A pista, o tipo de condição de pista.
Nelson Piquet: Mais segura?
Eduardo Viotti: Não?
Nelson Piquet: Você anda a 400 km por hora no meio de uma parede. Se isso é segurança... [Risos] Ali, os acidentes são o seguinte: na Fórmula 1, você pode falar que em cinco por cento dos acidentes há a possibilidade do pessoal se machucar. Cinco por cento. Em Indianápolis, em 80% dos acidentes você vai machucar; pouco, mas vai machucar.
Luiz Alberto Pandini: Hoje teve uma reunião extraordinária da FIA e eles determinaram uma série de mudanças no regulamento para a próxima corrida, já em Mônaco. Proibiram o reabastecimento, estão pensando em obrigar modificações aerodinâmicas nos carros para diminuir a velocidade, pensaram em limitar giro de motor, uma série de coisas. Isso seria uma confissão dos dirigentes de que erraram em estabelecer um regulamento que procurava privilegiar o espetáculo, mas acabou tornando a Fórmula 1 praticamente impossível de guiar?
Nelson Piquet: Não. Primeiro, eu não acho que a Fórmula 1 ficou praticamente impossível de guiar. Você viu ali quatro incidentes que aconteceram esta semana. O do Rubinho: o Rubinho estava classificando o carro, tentando virar um tempo, porque eu conheço o Rubinho. Fantástico! E ali, pelo que eu vi, ou ele deu uma errada muito grande, ou ele foi subir na zebra e aquilo cuspiu ele fora dali. Eu acho que ali, pelo que eu vi - é difícil falar de fora - mas 80% ali foi um erro do Rubinho. O acidente do Senna foi falha mecânica, o acidente do austríaco foi falha mecânica, e dá para ver a asa voando. Então, você não pode dizer que o carro [é] impossível de guiar. Isso não existe! Agora, se os dirigentes estão querendo modificar alguma coisa... Você falou uma coisa sensata: reabastecimento em Mônaco, por quê? Porque não tem espaço dentro do box. Mas isso eles já estavam conversando para ver se iam arrumar algum jeito de parar isso. Em Mônaco, mas nas outras pistas não; sabe? Eles podem modificar da seguinte maneira: fazer um tipo que nem... eu teria idéia... Problema de abastecimento: no máximo cinco pessoas; e modificar os boxes, porque a quantidade de gente que fica nos boxes é o que deu aquele acidente de atropelamento nos boxes [acidente de Giovanni Matteo, mecânico da Osella, atropelado por Carlos Reutemann, da Williams, durante os treinos do GP na Bélgica, em 1981]. Aí sim. Mas não impede do carro querer trocar pneu, entrar e sair. Eles vão entrar e sair rápido, também. E até agora o problema de abastecimento, não teve nenhum acidente por problema de fogo. Se tivesse pegado fogo nos carros, isso e aquilo, tudo bem. Agora, troca de pneu? Você tem que deixar o box aberto para troca de pneu. Há anos e anos que a gente pára para trocar pneu. Então, é lógico que vão estudar alguma coisa. Aquilo da aerodinâmica: não sei o que vão fazer, vão diminuir as asas mais ainda?
Luiz Alberto Pandini: Estavam pensando em colocar um degrau no fundo dos carros.
Nelson Piquet: Um degrau no fundo dos carros?
Luiz Alberto Pandini: É, foi assim que me veio a informação: um degrau de mais ou menos cinco centímetros, parece que na metade do assoalho.
Nelson Piquet: Isso explicaria que eles estão querendo tirar toda a pressão aerodinâmica que eles conseguem por debaixo do carro. Mas isso não vai mudar muito a Fórmula 1.
Luiz Alberto Pandini: Uma coisa que eu queria te perguntar. Me impressionou muito nesse acidente do Ayrton o seguinte: a impressão que dá, vendo o acidente da câmera que mostra a batida de frente, é que ele não chegou a frear, não chegou a virar as rodas, não chegou a ter nenhuma reação. O carro simplesmente foi em direção ao muro. Não acharam nenhuma marca de pneu, nenhuma marca do carro raspar no chão, não acharam nada disso. Eu queria te perguntar o seguinte: dá tempo do piloto ter alguma reação e tentar virar o volante ou fazer qualquer coisa para evitar uma batida naquele ponto?
Nelson Piquet: Olha, aquela curva lá, para você fazer aquela curva, você deve virar o volante talvez uns cinco milímetros para a esquerda. Se você fizer isso [como a girar um volante levemente para a esquerda] - para virar aquela curva você faz isso aqui [repete o movimento]. Então, é impossível. Você [não] vê, no ângulo de câmera que nós vimos, se ele virou ou não virou, entende? Porque você não vê ele virar mais do que isso. Para você ver como que é uma curva aberta, não é uma... [sendo interrompido]
Luiz Alberto Pandini: O curso total do volante não é?... É só isso, cinco milímetros?
Nelson Piquet: Não, não é só isso. Mas se você virou e o negócio foi em frente, você não vai virar mais! Não tem jeito de você virar mais! E aí você tem que ver que você anda a 90 metros por segundo. Se você virou e o carro não virou, você vai ter menos de um segundo para bater na parede.
Marcus Zamponi: Nelson, você teve esse acidente fortíssimo em Ímola e teve esse outro, com essa imagem que marcou a gente até hoje em Indianápolis, - até agora você está se recuperando ainda - e agora o país está vivendo essa comoção nacional com a tragédia do Senna. A partir de agora você vai continuar a incentivar a carreira automobilística do teu filho, por exemplo?
Nelson Piquet: Olha [pausa], eu aprendi, durante vinte anos, muito sobre o automobilismo e se o meu filho gostar de automobilismo eu vou tentar ensinar tudo que eu sei para ele sobre automobilismo. Eu acho que o automobilismo é sadio... É perigoso, mas tem vários outros esportes que são muito mais perigosos que o automobilismo. Você está certo que... aconteceu o que aconteceu. Mas eu acho que é uma fatalidade. Passaram tantos e tantos anos sem nenhuma morte de piloto. E, para você ver: Moco [José Carlos Pace (1944-1977), piloto brasileiro de Fórmula 1, venceu do GP do Brasil em 1975, com Emerson Fittipaldi em 2º lugar, primeira dobradinha brasileira da Fórmula 1], que era um ótimo piloto, foi morrer num avião. E outros tantos foram morrer em outras coisas. O Depaillier foi morrer no hang gliding [asa delta]... sabe? Eu acho que é mais um destino. Eu incentivaria meu filho para correr, se ele gostar e quiser correr.
José Emílio Aguiar: Você falou que outros esportes seriam mais perigosos. Qual, por exemplo?
Milton Coelho da Graça: Em asa delta morreram 20 nesse período.
Nelson Piquet: Asa delta, esqui, aquelas corridas de downhill... morre muito mais do que no automobilismo, mas muito mais! Eu acho que jogar hóquei é mais perigoso que Fórmula 1. Você não vê um jogador de hóquei que tenha os dentes na boca! [Risos]. Até bicicleta...
Milton Coelho da Graça: Boxe...
Nelson Piquet: Boxe... Tantos outros na cabeça que eu não sei, mas se pensar bem...
Milton Coelho da Graça: Surf, que tubarão come! [Risos]
Paulo Stein: Piquet, nessa linha - eu queria aproveitar esse início do Zampa - é o seguinte: você ali que viveu, um companheiro morreu, um outro compatriota seu sofreu acidente que foi o Rubens Barrichelo. Caberia ali um momento do Senna ter dito ali: "Não, eu não vou correr", ou inventar isso? Como é que isso seria interpretado? Como é que isso é armado dentro dos contratos, no caso, se ele sentisse - como está declarado em alguns depoimentos que ele teria dado - que não estava bem para fazer aquela corrida?
Nelson Piquet: Olha, eu acho o seguinte: eu não acredito que o Senna faria uma coisa dessas, porque ele sempre foi um profissional, nesse ponto, fantástico, de querer correr, querer competir. Em primeiro lugar, ele tinha o automobilismo na vida dele, entende? Se fosse até um cara mais velho que nem eu, os meus filhos e tudo e falasse: "Não, essa corrida eu não quero correr", tudo bem! Seria até o ponto de falar que isso é compreensível. Agora, ele, eu não acreditaria nunca que ele falasse... ele poderia falar: "Olha..." Ele correu em muito piores condições. As corridas que nós corremos na chuva! Aquelas são 10 ou 50, ou 50 ou 100 vezes mais perigosas do que essa corrida de Ímola.
Roseli Tardelli: "Você disse que pressentiu o seu acidente e você acha que o Senna" - uma pergunta do Sr. Geraldo Rocha, de Porto Alegre - "você observou a aparente depressão de Senna antes da corrida? Ele poderia traçar um perfil dessa depressão?" E aí eu te pergunto: a exemplo do que você sentiu, ele não poderia evitar isso e dizer: "Eu não vou correr!"? Como pessoa, não como profissional?
Nelson Piquet: Não, eu não acredito que ele sentiu uma depressão. Ele estava preocupado, muito preocupado por duas razões. Aqui, no Brasil, ele teve um competidor muito forte, que foi o Schumacher. Na última corrida, ele não pode nem se medir com ele, porque teve aquele problema na primeira volta. Então, ele estava realmente preocupado do que ia ser dessa corrida. Porque se essa corrida o Schumacher ganhasse, aí ele ia ter problema! Mas problema no âmbito esportivo, está me entendendo? Então, ele estava preocupado, ele estava preocupado esportivamente! Ele foi o mais rápido na classificação, mas ele estava preocupado. Mas eu acho que não com problema de acidente. Agora, lógico, ele teve um acidente de um amigo dele, que foi o Rubinho, que ele foi lá no hospital... Aquilo choca! Antes do acidente do Senna e do acidente do austríaco [Roland Ratzenberger], o acidente do Rubinho foi impressionante, gente! O acidente do Rubinho foi bem impressionante.
Marcus Zamponi: Visualmente mais que o do próprio Senna.
Nelson Piquet: Muito mais que o do próprio Senna! Isso que eu estou falando. Foi bem feio de ver. E o Rubinho se machucou. O Rubinho foi sombreado pelo acidente do Senna, mas foi muito sério! Uma coisa que realmente... Ele usou a zebra como uma catapulta, saiu fora do guard rail e bateu nas telas. Saiu capotando. Não teve um choque rápido, por quê? Muito mais lento, foi na parte da... Mas se você olha parece ser muito mais rápido, até! É tudo questão de impressão e... [Stein inicia a pergunta e torna o final da frase incompreensível]
Paulo Stein: Você não respondeu o seguinte: se ele não quisesse correr, o que poderia ter acontecido no relacionamento dele com a Williams onde você também trabalhou e...? [Sendo interrompido]
Nelson Piquet: Não, ele nunca iria fazer isso. Se ele falasse assim: "Eu não vou correr essa porque eu não quero", então era melhor ele pegar as malas e ir para casa. E acabou. "Não quero mais correr no automobilismo, porque eu não quero, estou com medo"...
Roseli Tardelli: Um piloto não pode fazer isso, não pode ter medo?
Nelson Piquet: Pode, aí ele pára de correr, vai para casa. A hora que ele quiser. A hora que ele quiser ele pára: "Olha, eu não quero mais, eu cheguei no meu ponto final".
Paulo Stein: Você já teve vontade de fazer isso algum dia, de ir para casa?
Nelson Piquet: Não pelo medo de correr, mas em si pela encheção de saco [Stein ri]. Eu cheguei ao ponto de falar: "Olha, o automobilismo para mim... eu não aguento mais isso daqui! Eu quero é ir pra casa, criar meus filhos, dormir na mesma cama, eu quero ter meus cachorros, eu quero ter o meu lugar". Aí é diferente. Aí eu parei. Parei e falei: agora eu vou fazer as provas que eu quero, quando eu quero e vai ser hobby para mim. Aí é diferente.
José Emílio Aguiar: Nunca passa pela cabeça, quando acontece um acidente desses, nunca passa pela cabeça, mesmo, de de repente: "Pô, pode acontecer comigo; de repente, pode acontecer comigo nesta pista, agora!"?
Nelson Piquet: Não. Para você ver, quando eu tive o acidente de Ímola, eu estava brigando com os dirigentes para correr no domingo. Estava brigando, eu queria correr, entende? Você quer, você quer competir, você está ali para competir, você quer ganhar. Eu estava disputando o campeonato junto com o Mansell [ex-piloto inglês, correu pela Fórmula 1 nos anos de 1980 a 1992 e de 1994 a 1995; disputou 187 GPs, tendo obtido 31 vitórias, 31 pole positions, 30 voltas mais rápidas e venceu o campeonato mundial de 1992, no GP da Hungria]. Fui o único ano que eu ganhei três campeonatos no mundo, eu não podia perder aquela corrida! Para mim era decisivo. E para o Senna era a mesma coisa.
Milton Coelho da Graça: Eu quero só perguntar: você falou em falha mecânica, mas essa Williams tem um problema, porque ela estava com a suspensão ativa. E, visivelmente, a volta à suspensão convencional criou problemas estruturais no carro, que foram sentidos nos treinos e nas duas primeiras provas. O Senna, pelo menos... [sendo interrompido]
Nelson Piquet: Como faz sentido?
Milton Coelho da Graça: Porque o Senna deu várias declarações... Agora, eu pergunto a você [sendo interrompido]
Nelson Piquet: Declaração de quê? Que o carro não está bom, que o carro derrapa, que o carro é isso...?
Milton Coelho da Graça: Que o carro está instável, que o carro está inseguro, que o carro... [sendo interrompido]
Nelson Piquet: Mas gente, ele andou a corrida inteirinha virando os mesmos tempos que o Schumacher no Brasil, com uma diferença de milésimos! Como é que vão falar que o carro está ruim, gente?
Milton Coelho da Graça: Quer dizer que você não admite a hipótese que pode ter havido um erro estrutural da equipe, algum problema. Porque, no caso assim, técnico... [sendo interrompido]
Nelson Piquet: Estrutural da equipe, não! Eu falo que quebrou alguma coisa do carro, porque houve um acidente. Sem dúvida!
Milton Coelho da Graça: Sim, mas que quebrou porque o carro, porque essa nova suspensão pode ter um defeito...?
Nelson Piquet: Não, Milton. Milton, esses carros os caras treinaram, andaram, tanto que teria quebrado em outro lugar. Eles correram no Brasil, correram no Japão, treinaram com esse carro durante o inverno todo.
Milton Coelho da Graça: Pode não ter sido suficiente. Ou não?
Nelson Piquet: Mas Milton, você sabe que, quando você larga uma corrida, você larga com tudo novo no carro. Eles têm a traseira novinha lá: vem motor, câmbio, suspensão, vem tudo novinho lá e montam a traseira no carro. Então, fadiga de material não pode ter acontecido. Agora, que quebrou alguma coisa, quebrou. Ali não há dúvida.
Milton Coelho da Graça: Agora, você falou que o carro... em um segundo, você percorre 90 metros ali, naquele local.
Nelson Piquet: Certo.
Milton Coelho da Graça: Então, você passou por essa experiência ali. Você teve menos de um segundo entre o momento que o teu pneu furou e você bateu, e que depois te custou muitas horas de sono, muitos meses... Eu pergunto a você: dá para você ter... Você uma vez me deu um depoimento maravilhoso sobre medo, a vitória sobre o medo que é preciso, que o piloto de Fórmula 1 tem que ter e, por coincidência, o Senna deu um depoimento muito parecido. Eu te pergunto: dá para tentar explicar o que é aquele segundo?
Nelson Piquet: Não. Primeiro, se eu levantar aqui e der uma bordoada na tua testa... [risos]
Milton Coelho da Graça: Nele, por favor [apontando para um dos entrevistadores]
Roseli Tardelli: Primeiro que eu não vou permitir!
Nelson Piquet: Se eu levantar daqui e der uma bordoada na sua testa, você vai passar uns três dias e não sabe nem o que aconteceu! [Risos] E aí vão te avisar: "Olha, eu acho que foi isso... você lembra quando você estava entrevistando o Nelson?" "Ah, lembro, eu estava entrevistando o Nelson..." [dramatizando a cena; risos] "Será? Mas o que aconteceu?" Então o cara vai falar: "Ele levantou e te deu uma bordoada", porque você não lembra de nada.
Milton Coelho da Graça: Não lembra de nada?
Nelson Piquet: Não lembra de nada. Não tem jeito.
Roseli Tardelli: Milton, para você não correr esse risco deixa eu trazer os telespectadores.[Risos]
Nelson Piquet: Não, eu só estou dando uma... [sorrindo]
Roseli Tardelli: Deixa eu trazer os telespectadores. O Jair Grecco, da Cachoeirinha, pergunta: "Se for detectado que a falha da máquina foi a causa do acidente, não existiria possibilidade dessa informação ser omitida ao mundo?" E três telespectadores - o Fernando e Suzano, de Itajobi; André Luís Carvalho, aqui da capital; e Sr. Nelson Roberto - querem saber, com a morte do Senna, se você se sentiria em condições de voltar à Fórmula 1 se fosse convidado pela Williams?
Nelson Piquet: Olha, vou falar uma coisa certa: se por um acaso for detectado um problema, isso não vai nunca ser... isso vai ser sempre omitido. Ninguém vai falar que teve uma falha. Isso, sem dúvida! E eu voltar a correr, de jeito nenhum. Profissionalmente, eu não quero mais voltar a correr. Eu quero fazer isso como hobby hoje em dia.
Mair Pena Neto: Nelson, com a morte do Senna, a Fórmula 1 ficou sem nenhum campeão mundial na pista. Você acha que esse grupo de pilotos novos pode conseguir manter o interesse pela categoria ou vai ser necessário recorrer a outros campeões, tentar trazer de volta o Prost [Alain Prost, francês, piloto de Fórmula 1 de 1980 a 1993, disputou 199 GPs, obtendo 51 vitórias, 33 pole positions e 41 voltas mais rápidas; foi campeão mundial em 1985, 1986, 1989 e 1993, tendo sido um dos mais bem sucedidos pilotos de todos os tempos; após 1988, quando entrou para a McLaren, passou a ser o grande rival de Senna] ou o Nigel Mansell, por exemplo?
Nelson Piquet: [Pausa] Olha, não sei. Pode até ser que convide e tudo, mas vai ser difícil.
Paulo Stein: O Prost ainda tem contrato com a Williams.
Nelson Piquet: O Prost pode correr de Williams, se ele quiser correr. O Mansell está correndo lá. Somente se ele quebrar o contrato e voltar. Não sei.
Marcus Zamponi: Nelson, você disse que não volta a correr profissionalmente, mas você vai correr agora duas provas de 24 horas pela BMW da Alemanha. Pelo menos se comenta de parceria. Não seria um balão de ensaio, uma experiência para eventualmente se profissionalizar em Turismo [provas de Turismo]?
Nelson Piquet: Não, não.
Marcus Zamponi: Tem muito piloto de Fórmula 1 que vira... [sendo interrompido]
Nelson Piquet: Não, eu já tive muitas ofertas para ir lá correr e viver na Alemanha, correr e isso e aquilo... Não, eu não quero. Eu quero é tirar férias [riso] nos meses de junho e julho, ir para lá fazer duas corridas, dar uma volta no meu barco lá e voltar para cá.
Eduardo Viotti: Nelson, se você estivesse, hoje, no lugar do Rubão e do Wilsinho , você faria o que o Wilsinho fez, chamar o seu filho de volta para cuidar do gado na fazenda?
Nelson Piquet: Não, eu estou mais com o Rubão. O Rubão falou: "Olha" ... Inclusive, a mãe do Rubinho... eu escutei ela falar na televisão: "Você está gostando do que faz e eu apoio plenamente". Porque eu acho que a vida é isso, tem que fazer... A vida a gente não sabe se é curta, se é longa, mas na vida a gente tem que fazer o que a gente gosta, não adianta. Eu vejo hoje, porque eu larguei o automobilismo e estou fazendo a minha vida fora do automobilismo e tem horas que eu saio do escritório e falei: dane-se! Eu não quero mais saber, eu já estou há cinco horas e eu não aguento mais! Porque eu nunca fui acostumado com isso. De certa forma, hoje eu ando de kart, brinco com os meus filhos, levo eles para a corrida, corro junto com ele, para fazer um pouco das coisas que eu gosto.
Celso Miranda: É isso, Nelson, que faz com que um piloto de Fórmula 1 veja um acidente desse e vá para pista, sente no carro e acelere de novo? Ou é uma coisa daquele que ele tem que vencer o medo na hora, senão não volta mais?
Nelson Piquet: Bom, primeiro você nunca acha que vai acontecer. Segundo, toda vez que acontece, você levanta a poeira [dá tapinhas no ombro com o dorso da mão, como a tirar poeira], senta no carro... Foi feio, mas o carro é seguro. É só quando o acidente acontece feio mesmo. Aí quando eu sentei no carro em Indianápolis, também eu achei que nunca ia acontecer nada, o carro era seguro, andava bem, a pista era fácil de guiar, eu fazia todo o percurso com o pé no fundo. Aconteceu não sei porquê. E eu tive sorte lá também. Eu bati a mais de 300 por hora num muro de concreto. E quase 90 graus do muro.
Celso Miranda: E voltou no ano seguinte?
Nelson Piquet: Voltei. Ali eu voltei, primeiro porque eu queria voltar. Eu queria provar que eu poderia voltar mentalmente. E quero voltar lá ainda! Este ano eu não vou ter tempo no mês de maio, mas no ano que vem eu quero! Quero fazer as 500 milhas, que é uma pista realmente... é um sabor diferente de guiar lá. [pausa] Eu sei que tem perigo, sei que pode acontecer de novo, mas é uma coisa que é dentro da gente. Eu passei 20 anos correndo, passando por esses perigos, isso e aquilo, e eu sei o risco que tem. Hoje eu sei. Hoje eu sei na minha carne. Mas isso não vai me parar de fazer...
Celso Miranda: Mas é isso que te atraí? É esse risco, essa coisa assim... [sendo interrompido]
Nelson Piquet: Não, não é isso que atraí. É o prazer de guiar que atrai.
Roseli Tardelli: O Roda Viva faz agora um pequeno intervalo e volta daqui a pouquinho entrevistando, nesta noite, o piloto Nelson Piquet. Até já, gente.
[intervalo]
Roseli Tardelli: Nós voltamos com o programa Roda Viva, que entrevista hoje o piloto Nelson Piquet. [...] No intervalo, eu brinquei com o Piquet, e disse que ele deveria explicar um pouquinho mais, para nós e para vocês que estão aí em casa, essa coisa de correr, essa vontade que eles têm de vencer o próprio limite e correr. Quer dizer, você diz que na vida a gente tem que fazer o que a gente gosta, mesmo que isso custe a vida da gente, Nelson Piquet?
Nelson Piquet: Não nesse ponto, não é? Mas eu acho que, quando a gente está lá, correndo, a gente nunca pensa que pode acontecer com a gente. A gente sempre acha que... E depois, a gente começa já cedo, correndo. Então, a velocidade é uma coisa que a gente acha que controla, a gente acha que domina. A gente só realmente não domina quando tem uma falha mecânica, numa situação que nem houve com o Ayrton. Isso é uma coisa muito difícil.
Roseli Tardelli: Você quer dizer com isso que os pilotos da Fórmula 1 se julgam infalíveis?
Nelson Piquet: Não assim, mas é muito difícil você errar e cometer um incidente que vai provocar a sua própria morte. É muito difícil.
Mair Pena Neto: Bom Nelson, com esse acidente do Senna se falou muito de uma falta de proteção maior lá na Tamburello. Você estava dizendo que a curva não é propriamente uma curva e que ali os acidentes só acontecem por uma falha mecânica. Mas eles acontecem. Aconteceu com você e aconteceu com o Berger. Seria útil se colocar ali uma proteção de pneus, ou o impacto ali, no caso de falha mecânica, vai ser sempre a 300 km por hora e não adiantaria nada?
Nelson Piquet: Não adiantaria nada. Ali, no caso, seria ou tentar fazer uma reta, realmente uma reta, da saída dos boxes até a outra curva, porque... Eu conheço a posição geográfica ali. Tem um rio ali atrás, então não tem jeito de afastar aquela curva. E ali, você afastar 10 metros, 20 metros a mais, não vai fazer diferença nenhuma.
Milton Coelho da Graça: Nelson, eu queria te perguntar sobre o seguinte: você defendeu a cartolagem da Fórmula 1, mas você acha certo que participe da Fórmula 1 uma equipe como uma Simtek [Simulation Technology, escuderia fundada em 1989, estreou na F1 em 1994, registrando o acidente fatal de Ratzenberger; e já desfeita no ano seguinte] que não tem nenhuma tradição anterior em construção de carros de corrida, simplesmente porque dizem que talvez o Max Mosley [fundador da Simtek junto com Nick Wirth] tenha um interesse ali. A gente viu como um carro Simtek perde o aerofólio em plena reta, daquele jeito que morreu Ratzenberger?
Nelson Piquet: Milton, eu não posso nem julgar isso, porque eu não estou nem sabendo de todos os detalhes. Agora, eu perdi aerofólio na minha carreira seis vezes. Com Brabham, com Williams, com Lotus, acho que Benetton... Benetton não houve nenhuma vez, não. Então, eu não posso nem falar que foi em dia de corrida, mas em dia de treino. Porque você, em corrida, corre mais ou menos, se você pegar a quilometragem, dá uns seis, sete mil quilômetros. Mas eu já fiz até 42 mil quilômetros num ano de teste. Então, as probabilidades de quebras são muito maiores porque, apesar dos times hoje serem muito mais organizados - todas as peças dos carros são numeradas por computador, com vida das peças e tudo - essas peças, primeiro vão para o time de corrida e depois eles tiram do time de corrida e vão para o time de teste. Então, só aí que tem maior possibilidade de quebras. São aí que as peças são mais velhas e você tem maior quilometragem em cima delas. Então, acontece isso. Você não pode julgar a Simtek que quebrou a asa ali porque é um time novo. Tudo bem...
Milton Coelho da Graça: Mas você deixaria entrar um time assim, sem nenhuma experiência, se você fosse presidente da FIA?
Nelson Piquet: Eu não sei quem são os projetistas, eu não sei quem são os construtores, porque muitos dos times não fazem as suas próprias asas. Elas são feitas... um fabricante faz para a Ferrari, faz para isso, faz para aquilo.
José Emílio Aguiar: Mas, no caso da Simtek, tem um agravante que abriu um buraco no cockpit, dá para ver o braço do piloto. A imagem mostra claramente que dá para ver o braço dele e que abriu um buraco numa estrutura que, teoricamente, deveria resistir ao impacto.
Nelson Piquet: Mas você não pode nem falar que isso foi a morte do piloto que abriu aquele buraco.
José Emílio Aguiar: Teoricamente isso é um erro, porque se é uma estrutura indeformável, deveria resistir ao impacto, não deveria ter aberto um buraco.
Nelson Piquet: Eles não têm meio de testar os monoblocos nesse sentido. Eles tentam aquele impacto frontal a 40 milhas por hora, ou 30 milhas por hora e acabou. Você não tem meios de testar todas essas estruturas. Porque a Fisa [Federação Internacional do Esporte Automotivo, antiga comissão esportiva internacional autônoma da FIA, criada em 1922 e extinta em 1993, cuja função passou a ser diretamente comandada pela FIA] tenta fazer esses testes e tudo, mas é impossível.
José Emílio Aguiar: Esses crash tests [testes de colisão] então não adiantam muita coisa?
Nelson Piquet: Não, não adiantam muita coisa.
Milton Alves: Você elogiou os cartolas da Fórmula 1. E os cartolas do Brasil, do automobilismo brasileiro, o que você acha deles?
Nelson Piquet: Olha, o automobilismo brasileiro tem por base muita coisa errada e está cada vez piorando mais, porque o que falta no automobilismo é a própria Confederação Brasileira dar valor no automobilismo brasileiro, regionais. Tudo bem, é importante trazer a Fórmula 1 para cá, é importante trazer o motociclismo de fora para cá, mas é muito mais importante - se você quiser fazer pilotos ou quiser ter automobilismo que continue representando o Brasil tão bem quanto tem representado o Brasil, que eu nem sei como, porque não existe automobilismo, no Brasil, de base aqui - valorizar as Fórmulas, os karts, valorizar o automobilismo onde tenha. Então, vamos dizer: no sul tem rali, então vamos fazer rali no sul; tem autocross, então vamos fazer autocross, vamos apoiar isso! E isso que não é feito. O presidente da Confederação o que é que faz aqui no Brasil? Faz Fórmula Ford, Fórmula GM, Fórmula 1 e Stock Car. Por que? Porque são as Fórmulas que bancam, mas não promovem mais nada, não agitam mais nada, não deixam se criar coisas, se criar outras categorias, ou incentivar as próprias categorias que tem.
Marcus Zamponi: Mas se houvessem mais categorias, não iria promover o esvaziamento das que já existem?
Nelson Piquet: Não, de jeito nenhum! Você tem que dar mais chance e promover mais as categorias que tem e outras mais ainda, entende? Vamos dizer: eu saí de Brasília - vou dar o exemplo de Brasília - saí de Brasília há 26 anos atrás. O automobilismo já estava morto. Eu fui para a Europa - 26, desculpe, há 18 anos atrás - fui para a Europa, corri Fórmula 3, corri de Fórmula 1, voltei e não existia mais o automobilismo em Brasília. Acabou! Já não tinha. Acabou. Agora, é sempre a mesma pessoa lá tomando conta de tudo, entende? Então, isso não pode acontecer. O que ele faz lá em Brasília? Regionalmente não faz nenhuma corrida, só faz Fórmula Fiat, Fórmula 1, Fórmula Ford, Fórmula Chevrolet e Fórmula 3. Agora, tem que nascer o torneio regional. Para você ver: em Goiânia, formou-se a Liga de Automobilismo de Goiás. Você não pode acreditar o que eu presenciei lá. Eles fizeram uma corrida de kart, uma corrida de motocros, uma corrida de motocicleta velocidade, uma corrida de Volkswagen e uma corrida de marcas. Da região! Tinha tanta carência de automobilismo naquela região que tivemos 65 mil espectadores! Tinha mais que na Fórmula 1! Agora, isso não foi organizado pela Confederação, foi organizado por um grupo de pilotos que falou: "Gente, vamos fazer alguma coisa aqui! Vamos renascer o automobilismo no Goiás!". A mesma coisa nós fizemos em Brasília, no kart. A Federação ficou braba. Um absurdo de inscrição! E aí o que aconteceu: o kart vai morrendo, vai morrendo, vai morrendo, e acaba! Porque tinham 20 kartistas lá, dividia 3 numa categoria, 4 na outra categoria e aí acabou. Acabou o kart. O pessoal se uniu, fez a associação dos kartistas e hoje tem lá, largando, quase 100 karts. Isso depois de seis, sete meses. Por que isso? Porque afastaram os cartolas! Eu não sou contra a Federação, inclusive eu sou a favor das federações, porque tem que ter federação, tem que ter tudo. Agora, a Confederação tem que incentivar a categoria baixa, não fazer Fórmula 1, trazer o motociclismo internacional para cá. Para quê? Para ganhar dinheiro? Não! Tem que fazer o automobilismo da terra.
Milton Alves: E como que continuam aparecendo pilotos jovens, como Tarso Marques [piloto paranaense, esteve nas pistas desde 1988, quando tinha apenas 11 anos, obtendo sucesso no Brasil e na América do Sul nas modalidades kart, Fórmula Chevrolet, Fórmula 3, Fórmula 3000, Fórmula 1, Fórmula Mundial e Stock Car] e outros despontando aí?
Nelson Piquet: Porque é a mesma coisa da política, gente! Não tem jeito de afundar esse país. Esse país é rico demais, por mais coisa que se faça, o esporte sempre sobrevive. É a mesma coisa.
Milton Coelho da Graça: Você viveu sua época no automobilismo como um sujeito atualmente controvertido, como era o Balestre, o Jean-Marie Balestre [presidente da Fisa entre 1979 e 1991 e presidente da FIA de 1986 a 1993 - Guerra Fisa-Foca], e as pessoas falavam muito dele, reclamavam. Mas, a verdade, ele era um homem ainda vindo da época, vamos dizer, esportiva da Fórmula 1, dos velhos tempos de Enzo Ferrari [Enzo Anselmo Ferrari (1898-1998), fundou a Scuderia Ferrari, em Módena, 1929 e, dez anos mais tarde, sua própria fábrica; também foi piloto e obteve 19 vitórias nas 24 horas de Le Mans e nove títulos na Fórmula 1; considerado um autodidata em mecânica, Ferrari recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Bolonha em engenharia e em física]. Ele era um homem vindo do esporte. Agora é o Max Mosley [consultor oficial da Foca no final dos anos 1970, foi posteriormente eleito presidente da extinta Fisa, em 1991, tendo disputado as eleições com o precessor Balestre; em 1993, quando a Fisa foi exinta, Mosley assumiu a presidência da FIA], que é um homem que veio dos construtores, da Foca [Associação dos Construtores da Fórmula 1], o homem da grana. A derrota do Balestre foi a derrota do velho espírito esportivo. Ou você não acha isso?
Nelson Piquet: Eu não, você está enganado.
Milton Coelho da Graça: Não? Então, tudo bem.
Nelson Piquet: No automobilismo, o dono da Fórmula 1 não tem Max Mosley, não tem Balestre, foi tudo feito pelo Ecclestone [Bernard Charles "Bernie" Ecclestone, considerado a maior autoridade na Fórmula 1; presidente e chefe executivo da FOM (Formule One Management) e FOA (Formule One Administration), e possui a maior parte das ações da Alpha Prema UK Limited, matriz das companhias do Grupo Fómula 1, controlando a administração e estrutura dos GPs de Fórmula 1]
Milton Coelho da Graça: Pois é, mas o Mosley é um homem dele.
Nelson Piquet: É lógico, e é isso que eu estou falando.
Milton Coelho da Graça: Porque o Balestre não era...
Nelson Piquet: É isso que eu estou falando. O Ecclestone levantou a Fórmula 1. O Balestre brigou muito com o Ecclestone. O Ecclestone tomou o Balestre, entrou na FIA, e hoje toma conta de tudo. Mas gente, a Fórmula ...1 Não tem nada a falar mal da Fórmula 1, cada vez está melhor, cada vez tem mais espectador, cada vez os organizadores ganham mais dinheiro, cada vez os pilotos ganham mais dinheiro e cada vez existe mais interesse no mundo sobre Fórmula 1.
Milton Coelho da Graça: Mesmo com o circuito Mickey Mouse, que você falou aí? Quem está inventando isso é o Ecclestone. Mesmo com o circuito Mickey Mouse você acha que a Fórmula 1 tem um futuro brilhante?
Luiz Alberto Pandini: E uma outra coisa: mesmo com tudo isso que aconteceu neste fim de semana, você acha que vai manter esse pique que a Fórmula 1 estava tendo nesses últimos anos?
Nelson Piquet: Sem dúvida, gente! Olha, tudo bem, nós perdemos um campeão que é uma coisa irreparável, o que aconteceu com o Ayrton. Mas 50 - ou então vou até botar uma porcentagem maior - 80% do pessoal que liga a televisão, o cara quer ver o negócio pegar fogo mesmo, sabe? Quando você vê um acidente... se o Ayrton saísse daquele carro e se limpasse, eles iam falar: "Olha, que bacana! Olha que acidente!", entende? Agora, aconteceu o que aconteceu, aí sim. Mas todo mundo quer ver o circo pegar fogo. Aquelas largadas, aqueles acidentes de largada... Por que é que todo mundo quer ver a largada? [Risos] Estou errado ou não estou errado? O que é que você me fala?
Milton Coelho da Graça: Mas nós devemos fazer o que os 80% querem? Senão ia ter briga de gladiador até hoje, não?
Nelson Piquet: Mas gente, a Fórmula 1 é um esporte perigoso, é um esporte de risco e acontecem coisas espetaculares. Acidentes são coisas espetaculares. Por que é que todo mundo gosta? Por que 700 mil pessoas vão para Indianápolis ver aquele carro andar no oval, assim [gesticula com a mão representando a forma oval]? Por quê? Porque lá acontece cada uma! [Risos]
José Emílio Aguiar: Mas aí eu acho que a questão da perda do brilho da Fórmula 1 seria pela perda do campeão, do carisma.
Nelson Piquet: É isso que não poderia acontecer. Isso foi uma grande perda. Mas agora, que todo mundo quer ver as coisas acontecerem, é verdade! Todo mundo quer ver.
José Emílio Aguiar: Você acha, por exemplo, que no Brasil o brasileiro vai continuar vendo a Fórmula 1? Muita gente vai parar de ver, eu acho, por causa da saída do Senna.
[...]: Ou seja, foi um mau negócio este final de semana?
Nelson Piquet: Tudo bem, eu acredito no que você está falando que, em médio tempo, vai ter até... Mas no dia em que o Rubinho ganhar a primeira corrida dele, o dia que o Rubinho pegar um carro que ele possa mostrar o potencial dele, ou o Christian [Fittipaldi], todo mundo esqueceu o que aconteceu.
Milton Coelho da Graça: E quem é o melhor dos dois para você?
Nelson Piquet: Eu acho que os dois têm um potencial muito grande.
Milton Coelho da Graça: Qual é o melhor? A pergunta é...
Milton Alves: Qual tem mais potencial?
Nelson Piquet: Eu vou falar o seguinte: aquele que fizer o melhor negócio, sentar no carro, ganhar do primeiro vai ser o melhor.
Paulo Stein: Piquet, eu vou entrar mais diretamente em um assunto. Não é para te incomodar mas é... Analistas da época julgaram que a maior comoção nacional teria sido a morte do Getúlio Vargas. A de Ayrton Senna está sendo maior. Se tivesse acontecido com você, na época de você também um tricampeão tanto quanto ele, honrou tanto o Brasil, honra o Brasil até hoje, um grande esportista, essa comoção teria sido a mesma?
Nelson Piquet: Você vai perguntar para mim? [Risos]
Paulo Stein: É, eu estou te fazendo... é o teu reflexo junto ao público, esse carinho...
Nelson Piquet: Olha, eu tenho duas corridas no mês que vem. Vamos ver... [Risos]
Paulo Stein: Não quero te matar, absolutamente! Eu não quero te matar!
Nelson Piquet: Eu não sou muito bom para poder responder isso. Não sei, eu acho que... Olha, o que aconteceu, todo esse carisma - lógico, o Ayrton tem um carisma maravilhoso - mas aconteceu na presença de todo mundo, na corrida! Todo mundo vendo aquilo. Não foi uma notícia que saiu no jornal.
Paulo Stein: Mas você sentiu mais ou menos isso quando te aconteceu o acidente em Indianápolis, essa reação...?
Nelson Piquet: Você não vê isso, gente. Você não acredita que acontece isso! Eu bati em Indianápolis, eu passei um mês tomando morfina. Tomando nos canos, não é? [Indicando a veia em um dos braços; risos] Eu passei um mês maravilhoso, gente! [Risos] Todo mundo me visitando... Que bacana, sabe? Você muda, você está drogado ali. Depois passei mais três meses, de três em três horas, tomando uma pílula que chamava codeína, que é da família da morfina. Três meses depois que eu parei de tomar é que eu vi a realidade do que aconteceu comigo. Porque com todos esses remédios contra a dor você fica... [movimenta a cabeça com olhar estonteado; risos] Então, para você ver que não... sabe? O que aconteceu ou deixou de acontecer, você está em outra.
Roseli Tardelli: Nelson, você respondeu à pergunta do Sr. Sérgio Aveleda de Campinas, e o Dante Mantovani, que escreveu aqui para nós, ele é primo do Ayrton Senna e te pergunta o seguinte: "Não seria necessário apurar a fundo, uma investigação minuciosa para ver se houve falha mecânica e se existe a hipótese de algum tipo sabotagem?"
Nelson Piquet: Ulalá, sabotagem é impossível, gente! São 200 mecânicos trabalhando ali, fabricando carro e tentando vencer aquele campeonato do mundo. É um time, eles trabalham realmente como um time, e todo mundo sofre com o piloto, todo mundo sofre com o resultado. Agora, que tem que ser apurado... vai ser apurado! Mas ele viu o estado em que ficou o carro. Então, mesmo que falem: "Olha, a suspensão esquerda que sobreviveu não quebrou, mas a direita poderia ter quebrado", e a direita não está mais ali, porque ela se esmagou na parede. Então, é uma coisa que é praticamente impossível de...
José Emílio Aguiar: Agora, não é um mau caratismo - digamos assim - do engenheiro que projetou o carro, dizer que foi um erro do piloto, no caso o Patrick Head [junto com Frank Williams, ele é co-fundador da equipe Williams], que até trabalhou com você ?
Marcus Zamponi: Seria medo de processo? Esse tipo de coisa?
José Emílio Aguiar: Mesmo sendo medo de processo, morreu uma pessoa, morreu um cara que trabalhava com você.
Nelson Piquet: Olha, eu acho que... [pausa] Ali envolve muita coisa... Há, inclusive, a integridade do time, dizer: "Eu, na minha opinião, não quebrou nada, porque não quebrou nada nas 1.050 horas que o carro andou até agora, e nós botamos ali a mesma peça e não tem jeito de quebrar". É uma suposição. Como não dá para ver nas câmeras, como é impossível de fazer um exame apurado por causa do acidente, da quebra do carro, então falam: "Olha, é impossível. Se o carro andou mil e tantas horas esse inverno com essas peças e não quebrou, não vai quebrar agora".
José Emílio Aguiar: Ele diz mais. Ele diz que, pela telemetria, ele teria visto que ele desacelerou na hora. Passou por uma ondulação, desacelerou na hora e...
Nelson Piquet: Desacelerou?
José Emílio Aguiar: É. [Pausa] É o que ele diz.
Nelson Piquet: Olha, eu...
Celso Miranda: Aliás, pela telemetria daria para saber o que realmente aconteceu?
Nelson Piquet: Depende, depende do que teria na telemetria.
Marcus Zamponi: O teu acidente de Indianápolis foi também porque você tirou o pé e o carro descompensou [close em Piquet balançando a cabeça em sentido de negação e com os lábios curvados para baixo]. Não teve essa história que... ?
Nelson Piquet: Teve muitas histórias.
Marcus Zamponi: Qual foi a real?
Nelson Piquet: Não sei. Zampa, o carro desgovernou no início da curva, não foi nem no meio da curva, nem no fim da curva, por isso que eu bati na parede. Porque tem a curva aqui [desenhando uma curva no ar com as mãos], se você tem um acidente aqui [indicando uma região que estaria entre o meio e o fim da curva que ele desenhara no ar], você roda, sai raspando na parede [desenhando no ar o carro rodando, continuando a curva]. Se você tem um acidente aqui [indicando o início da curva desenhada no ar], você vai parar aqui [indicando uma reta, a partir do início da curva], você roda, você bate na parede [indicando uma colisão a 90º com as mãos]. Você roda o quanto você rodar e vai parar lá na parede. Foi no início da curva. O carro estava super acertado. Nós não estavávamos fazendo nenhuma prova de aerodinâmica, nenhuma prova da parte eletrônica da válvula. Então, eu não sei o que aconteceu, eu não posso falar o que foi.
Milton Coelho da Graça: Mas, Nelson, esse carro dominou a Fórmula 1 durante dois anos. Em três corridas ele não... Quer dizer, em duas disseram que a pista é lenta, é travada etc para esse carro. Aí vem uma pista veloz... Porque o Damon [Damon Hill, inglês, filho do bicampeão de Fórmula 1 Graham Hill,; disputou 116 GPs, obtendo 22 vitórias, 20 pole positions, 19 voltas mais rápidas e foi campeão mundial em 1996 pela Williams] também não apareceu! Damon Hill ficou lá, em sexto lugar! Esse carro não tem alguma coisa?
Nelson Piquet: Não, Milton. Calma, calma, calma. Na primeira corrida, o Ayrton estava na pole position. Ele perdeu a corrida pela parada no box. Na segunda corrida, ele teve um incidente, que bateram por trás na primeira curva. E na terceira corrida, ele estava na pole position, Milton! O que você está falando?
Milton Coelho da Graça: Mas o carro do Damon Hill também não está andando!
Nelson Piquet: Mas o Damon Hill não é piloto... [abaixa o tom da voz, tornando o final do comentário incompreensível; risos]
Milton Coelho da Graça: Ah bom. Eu queria que você dissesse. É isso?
Nelson Piquet: É! Ele andou alguma coisa antes?
Milton Coelho da Graça: Chegava ali, de vem em quando. Chegava até em segundo... [sendo interrompido]
Nelson Piquet: Ah, mas de vez em quando ele vai chegar, você vai ver que ele vai chegar. Ele vai chegar em segundo no campeonato.
Milton Alves: Aquela sua ultrapassagem sobre o Ayrton Senna na Hungria, em 1986, foi uma das maiores ultrapassagens de toda a sua carreira, Nelson?
Nelson Piquet: Não. Foi uma ultrapassagem... espetacular, onde o carro entortou, isso e aquilo, mas não é que foi a maior ultrapassagem. De jeito nenhum. É uma pista que não é muito rápida, é uma curva que é lenta, entende? Então, por isso o carro escorregou e eu consegui controlar, porque é uma curva lenta.
Milton Alves: Você passou por fora, não é?
Nelson Piquet: Não é que eu passei por fora. Eu estava por fora da pista, porque a primeira vez eu fui por dentro e ele me espremeu na parte suja da pista. Então, na segunda vez que eu vim ele começou a ir para a parte de dentro e eu fui por fora. Então, foi mais... ele freou um pouco mais perto da curva.
Marcus Zamponi: Foi muito bonito. Você comemorou de que maneira essa ultrapassagem? [Risos; Piquet mantém-se sério]
Nelson Piquet: Eu comemorei a vitória que eu ganhei [Piquet sorri; risos]
Marcus Zamponi: Como você comemorou? [Risos; Piquet olha para os entrevistadores, girando a cadeira. A ultrapassagem de Piquet sobre Senna no GP da Hungria, em 1986, é considerada por muitos como a mais bela da história da Fórmula 1, e às vezes chamada de "manobra do século"; Piquet, em depoimento após a corrida, criticou a atitude de Senna de ter aberto para ele o lado de fora e depois ter voltado, espremendo-o pelo lado esquerdo, e afirmou: "Depois que fiz a ultrapassagem, mandei-lhe uma bela rosca", embora não se saiba se Piquet tenha de fato feito o gesto]
Roseli Tardelli: Piquet, três questões: o Luís Gonzaga Morais, aqui da capital, pergunta: "Se o piloto morre na pista...
Marcus Zamponi: Ele não quer responder!
Roseli Tardelli: É [olhando de lado; risos]! "... isto traz problemas para o autódromo? Por que dizem que o Senna morreu no hospital sendo que ele morreu na pista? E o Jean Carlo, da capital: "Os circuitos de Ímola, da Bélgica e outros mais foram projetados há 40 anos. Não precisariam ser revistos em função da velocidade dos carros hoje"?
Nelson Piquet: [Pausa] Olha, gente, se vocês querem fazer a coisa assim, com um por cento de chance que não aconteça nada com ninguém, realmente, você vai ter que revisar 80% dos circuitos que tem na Fórmula 1. É verdade. E vai perder totalmente a graça de guiar para os pilotos. Você vai fazer circos onde vai guiar para a televisão, para o público. Mas vai acabar, talvez, o romantismo. Você vai fabricar robôs para a corridas de Fórmula 1, mas não a pessoa que realmente gosta de guiar, porque eu guiei 13 anos de Fórmula 1, porque eu gostava de guiar. Depois eu desisti porque eu não agüentava mais.
Roseli Tardelli: Quando o piloto morre na pista, isto traz problemas para o autódromo?
Nelson Piquet: Traz, porque - inclusive na Itália - se por acaso constatarem que ele morreu ali, teria que parar tudo, teria que fazer uma perícia, teria que ter feito na hora, mas tudo isso atrapalharia a corrida, o evento. Então, se realmente um piloto morre na pista, ele não morre. Eles botam na ambulância e ele vai morrer no hospital.
Milton Coelho da Graça: Foi o que aconteceu agora, então, com o Ratzenberger e com o Ayrton?
Nelson Piquet: Não sei, não sei dizer o que aconteceu ali.
Milton Coelho da Graça: Mas a regra é essa?
Nelson Piquet: A regra é essa. O Villeneuve [Gilles Villeneuve, canadense, apesar de ter disputado apenas 67 GPs, Villeneuve é considerado um dos maiores pilotos da Fórmula 1, tendo participado do esporte de 1977 a 1982, quando faleceu no GP da Bélgica, em um acidente em que foi arremessado do carro, batendo na grade de proteção], morreu em Zolder, realmente foi [passa um dos braços em frente ao corpo, da altura do queixo em direção ao quadril], mas tiraram ele dali na hora, porque não ia ter corrida.
Roseli Tardelli: Mas você descarta essa possibilidade de esconderem?
Nelson Piquet: Esconderem o quê?
Roseli Tardelli: Que o Senna pode ter morrido na pista.
Nelson Piquet: Isso eu não sei, isso é uma coisa de possibilidades, se aconteceu isso, se aconteceu aquilo. Eu não estou aqui para adivinhar.
Milton Alves: Ainda existe o romantismo da Fórmula 1, Nelson?
Nelson Piquet: Ah, pelo menos eu acho que...
Milton Alves: E o que você entende por romantismo?
Nelson Piquet: Romantismo é de você apreciar o que é guiar o carro de corrida. Se eu for correr em Indianápolis, ou se eu for voltar a correr, Indianápolis é a única pista que hoje em dia eu tenho vontade de guiar, por causa da velocidade. Só por causa disso.
Milton Coelho da Graça: O Damon Hill é um romântico então? Ou não? [Risos]
Nelson Piquet: Então, né... [close em Milton Coelho da Graça, que joga o tronco para trás, no apoio da cadeira, abrindo os braços em sinal de inconformismo]
Paulo Stein: Nelson, o futebol, praticamente hoje, no Brasil, a garotada às vezes é muito guiada pelos pais para correrem atrás de uma possibilidade de uma vida melhor. O piloto de corrida, ele vai atrás do dinheiro? Claro que ele tem que ter um sentimento por aquele esporte que ele vai praticar, mas o dinheiro é fundamental? Para você foi?
Nelson Piquet: Ah, não há dúvida que... Para mim foi?
Paulo Stein: É, eu estou perguntando.
Nelson Piquet: Ah, não. Eu corri de Super V aqui, porque é maravilhoso correr de carro, é uma coisa que fascina o menino jovem, a velocidade, isso e aquilo. Depois disso, me catequizaram aqui no Brasil para eu ir para a Europa correr de Fórmula 3. Não tinha mais nada para fazer aqui. Então eu fui, comecei a vencer e tudo, mas eu nunca pensei em ir para a Fórmula 1 - nunca na minha vida -, de ter a chance ou de ter as qualidades de sentar em um carro de Fórmula 1. Quando me ofereceram isso eu achava que era um monstro aquilo lá. No dia que eu sentei que vi que era igual a andar de kart. Hoje em dia eu falo. Hoje em dia se você pegar um bom piloto de kart, tirar ele e botar num Fórmula 1, ele não está dando nenhum passo errado, porque tudo depois do kart é inferior ao kart. A Fórmula Ford é inferior ao kart, a velocidade é praticamente a mesma, a aceleração é inferior, tudo é inferior. E depois, então, é... me perdi [apontando para Stein; risos]!
Milton Alves: Mas a experiência não seria fundamental, Nelson?
Nelson Piquet: Ah, existe experiência. E não é só a experiência, mas a duração das corridas também e tudo. Mas estou falando, por exemplo, toda vez que você sai do kart e senta num Fórmula Ford ou senta num Fórmula Chevrolet, você fala: "Puxa, mas isso aqui é devagar!" [risos]. Por isso que hoje eu me divirto no kart.
Paulo Stein: E a função do dinheiro que você...
Nelson Piquet: Ah, depois que você entra na Fórmula 1 e você começa a ganhar o dinheiro, aí que você vê o prazer do dinheiro também, de ganhar, e você quer ganhar mais. Eu, quando me ofereceram um contrato de Fórmula 1: "Olha, você tem um contrato de Fórmula 1, vai guiar para mim por três anos, e você vai ganhar, no primeiro ano, nada; no segundo ano, U$ 50.000; no terceiro ano, U$ 50.000. Você assina?" Assino! Onde? E assina o contrato. Porque eu não queria saber de ganhar dinheiro, eu queria saber de andar de Fórmula 1. Aí que eu ganhei campeonato do mundo, aí falou: "Não, agora você vai ganhar..." Não! Agora eu vou ganhar o que eu quiser! Aí é diferente. E eu quero comprar isso, quero comprar aquilo, eu quero fazer a minha vida também, que está todo mundo fazendo. Hoje tem muitos mais caros ainda, porque os pilotos hoje têm tido mais amparo de conselhos financeiros, de pessoas que têm empurrado mais. Então, ele já não faz nada sozinho, existe uma parte comercial junto do piloto. Mas na minha época eu fui sozinho. E tchau e benção.
Celso Miranda: Agora, Nelson, você falou do romantismo de correr. Na época em que o Ayrton estava na pista correndo contra você, era mais interessante, você sentiu mais esse prazer, esse romantismo, essa coisa da disputa mesmo? Como é que era competir contra o Ayrton?
Nelson Piquet: Bom, Ayrton era como qualquer outro piloto competindo comigo, entende? Vamos dizer quando eu tive alguma parte de romantismo... Eu tive algumas ofertas de guiar, quando o Comendador [Enzo Ferrari recebera o título de Comendador do governo italiano] era vivo, de guiar para a Ferrari, mas eu exigia tanto deles que nunca dava negócio [riso]. Por quê? Eu sempre tinha medo de ir para lá. Primeiro, toda vez que eu ganhava: "Ganhou o Piquet, com a Brabham!" [passando uma das mãos no ar, na altura da sua cabeça, da esquerda para a direita, como a indicar um anúncio]. Ganhava a Ferrari: "Ganhou a Ferrari, com..." [repetindo o gesto]; entende? Então, eu falei: "Pô, eu estou muito mais importante com a Brabham do que se eu sentar na Ferrari e ganhar com a Ferrari. Porque na Ferrari eu sou desse tamanico [indica com o polegar e o indicar a medida], e na Brabham eu sou o Piquet! Então, isso eu levava muito em conta. Eu, quando larguei a Williams - por divergências, por muita coisa, porque eu briguei lá dentro, uma porção de coisas -, eu tinha duas possibilidades: ou ir para a Lotus ou ir para a McLaren. Conversei com Dennis [Ron Dennis, chefe da McLaren], conversei com o Alain [Prost]. O Dennis sempre foi meu inimigo. Foi meu inimigo na Fórmula 3, quando ele fazia o time do Chico Serra [piloto brasileiro, correu na Fórmula 1 pela Fittipaldi Automotive, a equipe fica em 2º lugar no GP do Brasil em 1978 com Emerson pilotando o F5A. Em 1980, patrocinado pela cervejaria Skol e rebatizado como Skol-Fittipaldi, o time conquista dois 3ºs lugares com Emerson e Rosberg. No mesmo ano, Emerson abandona o esporte e passa a ser o chefe da equipe. Em 1982, sem patrocínio novamente, acaba fechando as portas. Apesar das constantes crises, a equipe participou no total de oito temporadas, acumulando 44 pontos em 104 GP´s. Passaram por ela os pilotos Keke Rosberg, Ingo Hoffman, Chico Serra, Alex Dias Ribeiro e Arturo Mezario, além de Emerson e Wilsinho.', ABOVE, RIGHT, WIDTH, '280');" onmouseout="return nd();" style="text-decoration: none; color: rgb(51, 51, 51); z-index: 2;">Copersucar-Fittipaldi e pela Arrows; foi campeão da Fórmula 3 inglesa em 1979], foi inimigo na Fórmula 1... Todos os campeonatos que eu ganhei, ele sempre chegava em segundo, terceiro, em Fórmula 1. Então, quando eu fui fazer negócio com ele, eu fui muito amargo já e não deu negócio. E eu fui para a Lotus. Apesar de, tecnicamente, achar que não ia ser aquela desgraça que foi [risos], mas eu fui mais de coração, de romantismo, porque eu ia juntar com o cara que foi meu inimigo, que era o Ron Dennis? Então, no meu ponto, muita coisa funcionou como sentimento, entende? Eu trabalhei sete anos na Brabham e eu só saí da Brabham porque o Ecclestone desistiu do time. Ele desistiu. Ele estava tomando conta da Fórmula 1 e o time ele não olhava mais. Porque eu não tinha nenhuma intenção de largar a... E quando eu fui para a Williams, eu não queria mais largar a Williams. É porque o Frank [Frank Williams, chefe da Williams] teve um acidente e todos os meus contatos eram com ele. Eu me vi em um time praticamente estranho, onde eu era duas vezes campeão do mundo e o Mansell era um inglês, num time inglês, que eles queriam fazer um inglês campeão do mundo. Então, era muito mais importante um europeu ganhar aquele campeonato naquele time do que eu.
Paulo Stein: O Patrick Head te prejudicou?
Nelson Piquet: Olha, prejudicar é uma palavra muito pesada. Posso falar que eles fizeram tudo para eu não ganhar [risos].
Paulo Stein: Não te ajudou!
Nelson Piquet: Fizeram tudo para eu não ganhar.
Mair Pena Neto: Quem é que ficou do seu lado, nessa época?
Nelson Piquet: Ficou um engenheiro chamado Frank Dernie. E ele já tinha essa suspensão ativa, que eles achavam que era impossível de fazer funcionar. E deram o projeto na minha mão. O Mansell testou uma vez, o carro arreou, ele não queria mais e eles... Então, eu fiz um acordo verbal com eles. Eu falei: "Eu faço todo o desenvolvimento e vou correr a terceira corrida, a partir de Monza, até o fim do ano. Mas só eu que vou correr, eu não vou desenvolver e depois vou dar para o sabichão aqui" [risos]. Então, eles concordaram com isso, eu ganhei em Monza e eles tiraram a suspensão.
Paulo Stein: Você acha que toda essa resistência contra você é porque você era um representante do Terceiro Mundo?
Nelson Piquet: Não, acho que esse negócio de Terceiro Mundo... Eu já tinha ganhado o campeonato duas vezes. Você está a fim de acabar com o Brasil, não é?
Paulo Stein: Não [risos]!
Nelson Piquet: Eu já tinha ganhado o campeonato duas vezes e eles tinham um inglês dentro de um time inglês. Você imagina se a Copersucar [Fittipaldi Automotive, a equipe fica em 2º lugar no GP do Brasil em 1978 com Emerson pilotando o F5A. Em 1980, patrocinado pela cervejaria Skol e rebatizado como Skol-Fittipaldi, o time conquista dois 3ºs lugares com Emerson e Rosberg. No mesmo ano, Emerson abandona o esporte e passa a ser o chefe da equipe. Em 1982, sem patrocínio novamente, acaba fechando as portas. Apesar das constantes crises, a equipe participou no total de oito temporadas, acumulando 44 pontos em 104 GP´s. Passaram por ela os pilotos Keke Rosberg, Ingo Hoffman, Chico Serra, Alex Dias Ribeiro e Arturo Mezario, além de Emerson e Wilsinho.', ABOVE, RIGHT, WIDTH, '280');" onmouseout="return nd();" style="text-decoration: none; color: rgb(51, 51, 51); z-index: 2;">Copersucar-Fittipaldi] trouxesse o Niki Lauda [piloto austríaco, correu na F-1 entre 1971-1979 e 1982-1985; participou de 177 GPs e obteve 25 vitórias, 24 pole positions e 24 melhores voltas, tendo sido campeão mundial em 1975, 1977 e 1984; em 1976, sofreu grave acidente em que teve todo seu corpo queimado, ficando entre a vida e a morte, mas voltou a correr na mesma temporada], e o Niki Lauda desse o cacete no Emerson [Emerson Fittipaldi, correu na F-1 entre 1970 e 1980, foi campeão mundial em 1972 e 1974]? Eles iam acabar com o Niki Lauda aqui, não é? É uma coisa normal. Não iam deixar o Niki Lauda ganhar o campeonato nunca. Iam deixar o Emerson ganhar o campeonato a qualquer custo.
Roseli Tardelli: Nelson, você já respondeu o fax que o Sr. Wagner Dumont, da capital, passou para nós; o Wilsinho Fittipaldi passou um bilhete aqui dizendo, telefonou para dizer que nunca pediu para que o Christian [Fittipaldi] voltasse para o Brasil para cuidar de gado. Ele disse que não sabe de onde o jornalista que fez essa afirmação tirou essa informação.
Nelson Piquet: Foi você, não é? [Apontando para Zamponi]
Marcus Zamponi: Eu não! [Riso]
Eduardo Viotti: Fui eu. Eu li em algum lugar...
Roseli Tardelli: Pois é! Tem mais questões aqui. João Batista Cisneto, da capital, pergunta o seguinte: "Parece difícil um bom piloto errar em certas curvas, mas até que ponto se deve confiar na tecnologia quando se corre em circuitos tão questionáveis?". Valfredo Valenar, de Guarulhos: "Você afirma que foi falha mecânica, porque em momento algum se esboçou que teria sido desaceleração?". "Na morte de Senna pode ter havido falha humana como queda de pressão etc e tal?", Pergunta o Ubirajara da Silva, da capital. E ainda a Tatiana Farah, de Uberlândia [os entrevistadores riem devido ao excessivo número de questões]: "Foi cogitado que poderia ter sido um desmaio ou uma parada cardíaca a causa do acidente?" Você vê algum fundamento nessas questões?
Nelson Piquet: Olha, eu acho difícil, gente. O Senna era dedicado fisicamente, fazia exercícios. Eu não acredito, sabe? Eu não acredito.
Milton Coelho da Graça: Quem é o adversário de Michael Schumacher agora, na Fórmula 1? Como piloto?
Nelson Piquet: Ele mesmo, ele mesmo.
Milton Coelho da Graça: Mas tirando ele mesmo, quem você vê desse resto que pode ser o piloto, que pode crescer?
Nelson Piquet: Não é o piloto, é o conjunto, não é?
Milton Coelho da Graça: Sim! Quem?
Nelson Piquet: O único que vai ter chance... [pausa]
Milton Coelho da Graça: O Alesi [Jean Alesi, piloto francês, correu na Fórmula 1 entre 1989 e 2001 e, apesar de ter disputado 201 GPs, obteve apenas uma vitória, no GP do Canadá, em 1995] da Ferrari, por um acaso?
Nelson Piquet: Vão botar o Alesi na Benetton... sabe? [Risos] Vai ser difícil, viu? Ele vai tirar de letra esse campeonato.
Milton Alves: Nelson, você deu uma definição - peculiar, até - para o Damon Hill, agora há pouco. Eu queria que você desse algumas outras definições apara alguns outros pilotos, o Berger, por exemplo, o Mansell, o Prost e o Schumacher.
Nelson Piquet: Olha, o Berger foi o cara que mais impressionou na Fórmula 1, porque ele nunca fez nada e ainda está na Fórmula 1 e tem um dos melhores trabalhos. O Schumacher ganhou as categorias baixas dele, Fórmula 3, isso e aquilo, como qualquer outro campeão, e vai ser campeão. Quem mais?
Milton Coelho da Graça: O Prost.
Nelson Piquet: O Prost não tem o que falar. O Prost foi muito bem posto politicamente, muito bom piloto, muito bom acertador e mostrou o que ele foi pelos resultados dele.
Milton Alves: E o Mansell?
Nelson Piquet: O Mansell, gente, só tem uma coisa: ele é um piloto rápido; agora, ele não é capaz de acertar um carro, ele perdeu três campeonatos do mundo que ele poderia ter ganhado se ele fosse um pouquinho mais inteligente, entende? E ele realmente se fez, como se fala, a fama, porque eu dei essa pancada em Ímola, porque eu passei o ano todo capengando, andando atrás dele. Porque no ano anterior eu sempre andei mais rápido do que ele, apesar de que eu tive um ano muito ruim. Mas sempre andei mais rápido do que ele. Um ano depois, eu sempre andei mais lento do que ele por causa dessa pancada que eu dei em Ímola. E até o fim do ano eu fui melhorando e consegui ganhar o campeonato.
Luiz Alberto Pandini: Nelson, a gente estava falando um pouco de Williams e eu lembrei de alguns fatos que eu li na imprensa internacional justamente sobre a Williams. Hoje, o Patrick Head divulgou que teria sido uma falha mecânica do Senna. Você sofreu muita coisa na Williams, por causa desse patriotismo do pessoal da equipe. O Roitman perdeu um campeonato para você por causa desse tipo de manobra também, o Tierry Butsen ganhou na Hungria, em 90, e não tinha nenhum mecânico da equipe para dar parabéns para ele quando ele chegou no box. E você, quando foi campeão em 87, pelo que eu sei, parece que só dois mecânicos te procuraram para saudar e comemorar. Por que essa frieza, essa atitude tão estranha?
Nelson Piquet: Olha, eu trabalhei com Patrick Head e, realmente, eu gostei de trabalhar com ele. É um engenheiro que quer vencer, não tem nenhuma vergonha de copiar as coisas, é muito prático. Eu posso falar até muito justo, porque eles, realmente, tentaram não deixar eu ganhar o campeonato. Mas até um certo ponto. Eles podiam muito bem largar nas últimas corridas sem duas marchas no câmbio, digamos, se fosse o caso, se eles quisessem realmente me parar no campeonato do mundo. Por tudo que aconteceu lá, eu, no fim do ano, em 87, tinha até me arrependido de ter assinado o contrato com a Lotus. Eu queria até voltar a ficar lá, porque eu, a partir do meio do ano, eu tive um relacionamento muito bom com ele e achei que eles iam fazer muita sujeira comigo. Você imagina! A partir do campeonato da Hungria, eu já tinha assinado com a Lotus, então eu ia sair. Se eu saísse, eles tinham a possibilidade de perder o motor Honda, que perderam. Então, muita coisa... E eles me trataram em iguais condições. Eles não deixaram eu desenvolver a suspensão ativa e ganhar a corrida de Monza com o pé nas costas - porque a suspensão era fantástica - mas eles... tiraram a suspensão, mas realmente eles não me impediram de ganhar o campeonato do mundo. Então eu não tenho nada a falar contra o Patrick. Eu gosto dele.
Roseli Tardelli: Nelson, três telespectadores trazem a mesma questão: o Sr. Valter, de Alphaville; o Sr. Jaime Almeida, também da capital; e Cláudia Aquino, dos Jardins: "O que grava exatamente a caixa preta do carro de Fórmula 1? Se a Williams mantém contato via rádio com o piloto, não poderia ela já estar sabendo da causa do acidente, indicando assim um silêncio em relação ao acidente do Senna?
Nelson Piquet: Caixa preta? Para o Senna falar com o box, ele precisa apertar o botão no volante. Não é só falar, você precisa apertar para falar. Ali ele não teria tempo de falar nada. Até aquele momento, o carro não tinha nenhum problema, ele estava liderando a corrida. A caixa preta num carro de corrida... não existe caixa preta no carro de corrida, que eu saiba não existe. Existe o sistema de telemetria, onde você acompanha o funcionamento do motor de dentro do box. Então, se quebrar alguma coisa no motor, está tudo gravado para que não quebre na próxima corrida: caiu a pressão do óleo, isso e aquilo. Porque o piloto realmente não tem tempo de monitorar o que está acontecendo no cockpit, no motor. Então, isso é tudo gravado no box pela telemetria. O que mais que eu possa falar sobre isso...?
Roseli Tardelli: Nelson, há sete anos atrás você sofreu um acidente parecido e - apesar de estar dando banana para a morte, quer dizer, você diz que é muito apegado à vida e por isso conseguiu vencer esse tempo todo - o tipo de acidente que aconteceu com o Senna mexe com todo mundo e penso eu que, principalmente com você, que se arriscou tanto quanto o Senna se arriscou em toda a sua vida profissional. Você ainda quer correr depois disso tudo?
Nelson Piquet: Não como profissional, eu quero correr sem nenhuma obrigação, eu quero correr da seguinte maneira: se eu chegar na largada e achar que não é o meu dia, eu levanto e não corro, entende? Aí eu estou fazendo um hobby meu, aí é diferente. E outra coisa: eu não vou ter a obrigação de estar lá, de participar, de fazer um campeonato. Eu [quero] fazer algumas coisas esporádicas.
Roseli Tardelli: Por que vocês não conseguem parar?
Nelson Piquet: Porque o prazer de guiar é muito gostoso, de dominar a máquina, de andar em velocidade é uma coisa... Guiar um carro de corrida é uma coisa muito gostosa.
Milton Coelho da Graça: Mas você fala tanto... Como é que é o medo do piloto, para uma pessoa entender esse prazer que convive com o medo? Como é que é o medo, como é essa convivência?
Nelson Piquet: Olha, o medo é o seguinte: você não tem medo quando você guia. O medo é a largada, porque você tem medo dos outros, entende? Se o cara vai e atravessa na sua frente ou se, na primeira curva, roda e fecham a pista e você vai ter que bater, não tem lugar para passar. Esse é o medo de alguma coisa acontecer. Você andando sozinho e guiando sozinho, você não tem medo, nem quando você classifica. Nisso não existe medo, porque você domina a máquina, você sabe que tudo que você está fazendo ali, você virou para a direita, vai para a direita; você virou para a esquerda, vai para a esquerda.
Milton Coelho da Graça: Mas teu coração está lá em cima, em 190, quando você chega perto da curva, por quê?
Nelson Piquet: Porque você está tendo um esforço físico junto com a adrenalina, você tem emoção de estar fazendo uma coisa excitante.
Milton Alves: O que você deixou de fazer na Fórmula 1 que você se arrepende ou que você gostaria de fazer?
Nelson Piquet: Se eu pudesse, de dois em dois meses, dar uma treinada na Fórmula 1, ir para um circuito, andar e isso e aquilo, se eu pudesse fazer isso, eu faria.
Milton Coelho da Graça: Pode ser piloto de teste, então?
Nelson Piquet: Não. Se eu morasse na Europa, até que eu poderia fazer isso. Mas sair daqui, pegar um vôo, viajar dez horas... Não, esquece isso!
Eduardo Viotti: Piquet, você aplica toda essa garra, essa falta de medo, como empresário? Como é que está o Piquet empresário? Como é que estão seus negócios? Como é que foi o rolo da Faet? Conta um pouco desse lado.
Roseli Tardelli: Trinta segundos.[Risos]
Nelson Piquet: Olha, eu não falo nem da Faet, eu falo do meu negócio novo, agora. A Auto Track é um empreendimento de muito sucesso nos Estados Unidos, mas precisa...
Eduardo Viotti: O que é exatamente?
Nelson Piquet: É um monitoramento de caminhões via satélite, mas precisa vencer a cultura aqui no Brasil. É sensacional! Você tem seus caminhões dentro do seu escritório. A qualquer momento do dia você manda mensagem para o seu caminhão, recebe mensagem do seu caminhão, e você fica sabendo onde ele está o tempo inteiro. Então, é uma coisa fantástica! Se você botar no papel, é uma coisa que não pode dar errado. É fantástico o negócio, em tudo. Agora, é um investimento muito grande de dinheiro, de tempo, de trabalho e tudo. E você sempre tem aquele receio: "Puxa, será que vai dar certo?" Porque é uma coisa que não é fácil como controlar um carro.
Eduardo Viotti: Você tem mais medo de ser empresário do que de guiar na Fórmula 1?
Nelson Piquet: Muito mais.
Roseli Tardelli: Nelson Piquet, o que você quer para você daqui para frente?
Nelson Piquet: Acho que eu vou comer essas bananas aí viu, que eu mandei [risos].
Roseli Tardelli: Nós agradecemos a presença do piloto Nelson Piquet, a colaboração dos jornalistas e agradecemos também a participação dos convidados do Roda Viva desta noite. O Roda Viva voltará na próxima segunda-feira às dez e meia da noite. Uma boa semana para vocês e até segunda!