Estava chegando. Cheguei, entrei na loja e dei aquele abraço na minha mãe. Como sempre aquela coisa. Abraços e perguntas. Perguntas e interrogatórios sobre a viagem, sobre a faculdade, as notas, a saúde, se estava bebendo demais, se a casa lá estava em ordem, se a tia miude e as ditas malditas estavam bem, enfim, tudo. "tô indo guardar as coisas. Falei animado, afinal já fazia um ano inteirinho que não a via.
E ela ainda eufórica, grita.
– "não vai desarrumá o quarto que acabei de arruma pra você. E volta aqui pra me conta tudinho".
- "ta certo mãe"! grito já lá do quarto.
Quando volto ela estava preparada. Acho que viu a situação que o filho se apresentava. Barbudo, cara de loco, e com um cheirinho de cigarro. Bem pouquinho.
Ela e aquele grampo de cabelo. Duas imagens supra-supra. Ultra-sumo
Tia nazaré. Ai meu deus. Lá vem ele e ela. Ela foi chegando (com o grampo) e, ...
- "me deixa ver seu ouvido, devem estar uma porqueira".
- "Você não toma banho lá em Maringá não"?!
Olha!
- você está fedendo! E me deixa ver seus ouvidos, vem cá!
- "mais mãe..." dizia sem êxito algum. E ela: "- mais mãe nada, deixa eu ver e pronto e acabou!"
- vira aqui que tem mais luz. E eu virava. Era inevitável. Não tinha como. Ela era mais forte que eu e, aliás, ela banca minhas drogas. Minha vida.
Virava, dava o ouvido e ela começava. Deu o primeiro cutucão e ia murmurando que estava chegando.
- essa é grande.
E às vezes um berro pra variar.
- essa é enorme!
E cutucava. Parecia que entrava até o ponto limite. Ela puxou o grampo e veio com um monte de cera. Mas um monte pra
valer. Ela enfiou novamente o grampo de cabelo que deveria ser o mesmo do ano passado e puxou mais uma vez.
- Ai, mãe! Essa doeu, mãe!
- o que arde cura. Mas não tinha ardido, tinha doido. É diferente. Mas deixei como estava. Eu ali e ela tirando cera.
- mas é que doe, mãe.
-mas isso aqui tem que limpar, olha a sujeira que está seu ouvido. Não vê?! Além disso, deu pra ficar cego? Agora é surdo e cego! Estou perdida!
-vira a cabeça menino teimoso!
Pois bem, essa última puxada doeu como nunca. Ela arrastou o grampo no meu ouvido que, se não saísse nada sólido era porque era só sangue. E saiu.
- tem alguma coisa prendendo, parece que não quer sair, filho.
- como assim? Tira logo isso, mãe! Ta doendo demais.
E puxou. Senti um tranco. Uma coisa grande foi saindo, uma bola de coisas nojentas, da qual minha mãe me fez o favor de tirar. Era de vomitar. Era enorme. Tinham coisinhas estranhas; fios de cabelo, muito algodão, pecinhas de plástico, de madeira e de ferro, uma gosma mais densa cor de coco e, além de muita cera úmida e morna. Acho que tinha alguma coisa se mexendo lá de dentro. O engraçado disso tudo é que mamãe colocava todos esses anos, na ceia do natal, essa bola para os outros familiares comerem. Era uma disputa ferrenha sua almôndega ao molho madeira.
isso foi um fato verídico que, ainda hoje, lá na casa da minha avó, disponibilizo almoço e janta.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
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Um comentário:
n sou definidor de estilo literário... afinal, no final das contas nem sei bem o q seria o literário em si... mas o estilo sim, me parece evidente num texto.
claro, conciso, me despertou algo visceral.
abraço
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